A tristeza de Mané Coveiro
Tinha ido à cidade de Taubaté resolver uns assuntos de sua aposentadoria e voltou triste, sem brilho nos olhos e sem o sorriso que lhe era peculiar. Embora fosse coveiro, Mané Coveiro era um homem com alma e coração de criança. Vivia alegre, sorridente e brincalhão, não tinha tristeza, não tinha maldade, não carregava rancores. Era um homem que transmitia felicidade, esperança e vontade de viver. Gostava, sim, de fazer visitas aos enfermos na Santa Casa de Misericórdia pra ver se tinha lá algum nego com o pé na cova... que era para ir adiantando o buraco, pois estava velho, cansado e não agüentava mais o peso do enxadão e da pá, num trabalho apressado. Do jeito que chegou da viagem para Taubaté, de terno e gravata, procurou o terço e recolheu-se ao quarto. Sua mulher, Sebastiana, olhou aquilo e viu que tinha algo muito esquisito. Coisa muito grave tinha acontecido com o marido, durante a viagem. No oratório do quarto, Mané rezava fervorosamente. Sebastiana, vendo aquilo, quis saber o motivo de tão grave situação ou pecado que seu marido, Mané, tinha cometido. - O que aconteceu Manoel, pra você estar assim? - Cometi um crime, Tiana! - Que é isso homem de Deus? Você não tem coragem nem de matar uma barata! - Pois é Tiana, mas eu matei um chinês! - Mas você não é de briga, homem de Deus. Como aconteceu isso? E a polícia? - A polícia não sabe! Eu não briguei! Isso aconteceu há uns dez anos atrás! - E por que que só agora que você está com remorsos? - É porque só agora descobri o fato! - Como que você descobriu uma coisa desta, só agora? Tiana imaginou que era uma brincadeira de Mané. Mais uma de suas armações para acompanhar a Folia de Reis nas andanças pelos sertões do município, coisa que Mané fazia, em seu período de férias, ela deixando ou não. - Pois é Tiana! Eu nunca te contei, mas uma coisa, há muito tempo, vinha me intrigando. - Que coisa é essa Manoel? - É o shin shuan chyen! - O que qué isso Manoel? - Eu também não sabia, mas hoje, lá em Taubaté, na pastelaria de um chinês, fiquei sabendo. Shin shuan chyen é uma frase chinesa que quer dizer: TIRE O PÉ DA MANGUEIRA. - E o que tem a ver esta frase com o crime que você cometeu? - Tem muito, sim! Você sabe que eu sempre gostei de fazer visitas aos enfermos da Santa Casa. Um dia, eu passei por uma enfermaria e vi um homem todo escangalhado, todo cheio de aparelhos, curativos e diversas mangueiras que lhe entravam pela boca e nariz. Entrei na sala e me aproximei daquele homem, pensando que fosse um caiçara conhecido. Era um chinês que tinha sofrido um acidente de carro na descida da serra. Assim que encostei-me na cama, o homem, de olho arregalado, sentou-se e proferiu a tal frase: shin shuan chyen, shin shuan chyen, shin sh...! Repetiu a frase e de súbito se jogou na cama. Parecia que estava dormindo. Então eu saí. No outro dia fique sabendo que o chinês tinha morrido. Fiquei encucado com aquilo, querendo saber o que o chinês tinha falado. O tempo foi passando e sempre aquela frase me vinha à mente. Hoje, então, ao entrar numa pastelaria de um chinês, lá em Taubaté, eu perguntei o que significava a frase: shin shuan chyen. O chinês traduziu dizendo que o significado era: TIRE O PÉ DA MANGUEIRA. Pois é, Sebastiana, acho que foi eu que matei o chinês, pisando na mangueira que o fazia respirar! Só pode ser! Pra ele me pedir para tirar o pé da mangueira, só pode ter sido isso. Coitado do chinês! Sebastiana passou a mão no seu terço e juntamente com Mané Coveiro, passou a rezar tudo quanto era tipo de oração em prol da alma do chinês, morto por causa da mangueira. Fizeram até uma Ave Maria em chinês, assim: “Avinshi Maria, chain de grachaming / Shinhoro é shorosco / bendinling Shui Voish / entriling shi milhering / bendinling shi fruitshuam / din voshiling ventriling, Jynsus.”
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