Nesse tempo de chuvas, lembro-me de dantes
Quando chovia assim, para nós, crianças, era motivo de alegria. Fazíamos duas coisas: uma era caçar rãs nos brejos e alagados da redondeza e outra era pegar, com peneira, jundiá (bagre), mãe-d’água e muçum, nas valetas existentes nas ruas Gastão Madeira, Paraná e Maranhão. Na casa do Ximinguinho ou na do Maneco da Targina, a farofa dessas peculiaridades era o prato do dia para alegria da criançada. Nos brejos, a quantidade de batráquios era de mais! Do coaxar das rãs e sapos aos berros dos sapos-boi (intanhas), durante dia e noite, a sinfonia era coisa para fazer dormir, no mais profundo sono, qualquer cidadão. Como era gostoso! O estilingue era colar no pescoço da criançada. Pra quem acertava passarinho a vinte, trinta metros de distância, pelotar uma rã, a menos de um metro, era coisa fácil... e, nesses dias de chuva, o bichinho sofria em nossas mãos. Fazíamos fieiras de rãs. Limpávamos, separávamos um pouco para comer e as maiores vendíamos em alguns bares e restaurantes da cidade. Sabe onde hoje é o Foto Kikuti? Ali era o bar Kafona, da família do nosso amigo Amauri, e do saudoso pasteleiro Laureano. Eram eles os grandes compradores de rãs limpas... e pagavam um bom dinheiro! As caçadas de rãs se faziam tanto de dia como de noite. De dia, devido a rapidez do bicho em fugir, a arma utilizada era o estilingue, por ter um alcance mais longo; de noite utilizava-se uma lamparina feita de lata de óleo, com uma vela dentro para clarear e a arma era o arpão, com o cano de bambu, raio de bicicleta e elástico, e ainda tinha o “tridente” que era um garfo de cozinha pregado em cabo de vassoura. Hoje eu fico pensando o quanto nosso anjo da guarda teve trabalho! Jararacuçu, jararaca, urutu, caranguejeira e outros peçonhentos, naquela época eram comuns... e nós, naqueles brejos caçando rãs. O risco que corríamos, nem se imagina, mas o anjo estava lá! Não me lembro de ter ouvido falar que alguma criança naquela época foi picada por cobra. O comum e nojento era ter que tirar as sanguessugas que chupavam nosso sangue, grudadas em nossas pernas; às vezes, ao pegar uma rã que fora pelotada dentro d’água, passava a mão numa cobra-d’água, esta não tinha perigo algum. Os antigos até falavam que em brejo que tem cobra-d’água e caninana não tem jararacuçu. Bons tempos aqueles! Éramos passarinhos! Vida de liberdade, de convívio, de aprendizado, de saber se defender, de esperteza, de agilidade, de companheirismo... Aprendi tudo isso na minha infância. Pobres crianças de hoje! Que vida abstrata levam!? Outro dia, perguntei a um garoto o que era estilingue e intanha. Pensou, pensou, pensou e por força de minha insistência respondeu que achava ser um jogo de vídeo-game, MP5 ou aplicativo de celular. Também, pra que saber de intanha e estilingue?
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