O que têm a ver os artigos 5º e 182 da Constituição Federal e também o artigo 1228 do Código Civil com o desespero de muitos caiçaras, garroteados em suas propriedades, em suas atividades econômicas de subsistência? Tudo. A Constituição Federal diz (artigo 5º) que todos nós temos direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade; e que é garantido o direito de propriedade; e que a propriedade atenderá a sua função social. Diz também que a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro e que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. O artigo 182 diz que a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no Plano Diretor e que as desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro. Já o Código Civil estabelece - artigo 1.228 - que o proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente. Então eu pergunto: os caiçaras - que há gerações são posseiros ou proprietários de terras em áreas posteriormente tombadas da Serra do Mar ou do Parque Estadual da Serra do Mar - foram devidamente desapropriados e indenizados pelo Estado conforme determina a lei e a nossa Constituição? Não sou advogado, mas pode um código, uma resolução ou uma norma se sobrepor à Carta Magna e ao Código Civil? E o que dizer, então, da Lei 9146/95, do governador Mario Covas, que cria mecanismos de compensação para os municípios em cumprimento ao disposto no artigo 200, da Constituição do Estado de São Paulo, que estabelece: "O Poder Público Estadual, mediante lei, criará mecanismos de compensação financeira para Municípios que sofrerem restrições por força de instituição de espaços territoriais especialmente protegidos pelo Estado." Todo caiçara deveria questionar: “Se minha terra se tornou bem público, por que até agora não fui devidamente desapropriado e indenizado? Se for bem privado, por que não posso exercer meus direitos assegurados na Constituição? Por que não posso exercer a função social de minha propriedade? Por que devo sofrer todas essas ações policiais?”. Não existe bem híbrido - ou é público ou é privado. Esta é uma questão que o Conselho da Cidade, que futuramente deverá ser criado para atender determinações do Plano Diretor, poderia tomar como um repto. Enquanto indenizações ou ações compensatórias não são aplicadas, os meus conterrâneos, a minha gente paga o preço. São sacrificadas as famílias, os pais, os filhos, as crianças, as gerações do presente em nome do bem-estar de uma geração futura, de uma sociedade futura que ninguém sabe como será, o que pensará ou desejará, a não ser os adivinhos, os burocratas e os ideólogos de plantão. Assistimos a um "direito alternativo" que se funda inteiramente na lógica socialista de que os méritos hipotéticos do futuro, bastando ser alegados, tornam-se por isso mesmo justificativa bastante para a supressão ou modificação dos direitos presentes.
Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
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