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COLUNISTA
Julinho Mendes
08/03/2004 - 15h23
Escrafunchando o lagamá
 
 

Nós daqui falamos escrafunchar, mas outros de lá falam remexer e até fuçar. Escrafunchar é um termo caiçara, outrora muito usado na procura do sapinhauá. Sapinhauá, por sua vez é uma das muitas espécies de molúsculos, marisco comum em nossas beiras de praia, beira de praia essa que nós daqui chamamos de lagamá. Lagamá significa lagoa de água salgada que se forma nas praias em época de maré vazia, geralmente em marés de lua nova ou cheia.

Escrafunchando o lagamá... Embora os homens exercessem essa atividade, era serviço para as mulheres e crianças caiçaras. Escrafunchar era o exercício de enterrar os pés na areia e em movimento de leque, procurar o marisco sapinhauá, e às vezes, no meio desses apareciam alguns cambiás.

Você deve estar perguntando do que é que esse cara está falando, não é? Calma que a gente chega lá! Vai tomando nota: cambiá é também um molúsculo comestível que vive dentro de um caracolzinho cinza, outrora, também muito comum nos lagamás. Juntando o sapinhauá, o cambia e até uns preguauá, este último, existente um pouquinho mais acima, na areia grossa da praia, onde morrem as ondas; disso tudo, somado ao tomate miúdo, coentro, salsinha, cebolinha etc., dava aquele refogado que sustentava a caiçarada brasileira.

Nesse escrafunchar o lagamá é que, em grupos, a mulherada colocava a prosa em dia; ali sabiam quem ia casar, filho de quem nasceu, quem ficou doente, quem morreu, enfim escrafunchavam-se as ocorrências da cidade. Quando as notícias alheias eram escassas, entre os sapinhauás e cambiás, surgiam os causos, histórias de pescadores, caçadores, causos caiçaras. São esses causos caiçaras que eu, Julinho Mendes, caiçara de avô, avó, pai e mãe, me proponho, nessa coluna, oferecer aos leitores desta revista virtual.

Vou escrafunchar o lagamá e levar até vocês as minhas lembranças de criança, as aventuras de caça e pescas vividas com meu pai Isaias Mendes e outros mentirosos. Vou contar os causos contados pela minha mãe Alcina Pereira Mendes e mais ainda, reviver as histórias de vovô Lindolfo (O prega fogo) e vovó Malvina. Viajaremos no meu passado, passado de meus pais e avós, passado do povo caiçara, passado rico com brincadeiras puras, com natureza exuberante e farta, enfim, passado de uma Ubatuba maravilhosa que vagueia na memória do tempo.

A cada semana uma história, um sapinhauá, um cambiá, um preguauá, e nesse escrafunchar espero agradar e passar a você leitor, um pouco da cultura de nossa terra, que era Tamoia, que é caiçara e que amanhã não sabemos de quem será. Por isso a importância de passarmos aos neocaiçaras um pouco de nossos costumes, nosso pessoal, nossa mata, nosso mar.

Vamos escrafunchar juntos!

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