Quem diria, hein? O nosso Azul-Marinho, o nosso consuetudinário peixe-com-banana-verde, o nosso escaldado agora é lei. Não que andasse na ilegalidade, não, não é isso. É que, por força de lei municipal, tornou-se um patrimônio histórico e cultural. O que isso quer dizer exatamente não sei, mas que deu um certo status à bóia caiçara, lá isso deu. A receita, inclusive, tá lá no texto da lei para que ninguém se meta a contraventor, invente ingrediente ou ponha no prato uma pitada a mais do que quer que seja. Torço para que seja regulamentada por decreto e que se estabeleça multas para quem sair fora dos trilhos, digo, da receita. Sugiro ainda que a receita das multas por infração à receita vá para um fundo social, do tipo caiçara prato limpo. Imagino o Azul-Marinho, em breve, incluído na merenda escolar. Além de cidadã, é uma proposta pedagógica salutar. Agora, cá entre nós, sabe que eu até ouso sonhar com o dia em que a FAU da ONU haverá de declará-lo patrimônio cultural e gastronômico da humanidade? Alguém poderá dizer que estou ficando doido; mas, meu leviano leitor, pare para pensar um pouquinho. Para que o Azul-Marinho não fique só no texto da lei é preciso que haja alguma intervenção internacional, não só para a preservação das espécies marinhas adequadas à receita, já que o Brasil é relapso quanto às suas águas litorâneas, mas também da banana, que, segundo certos cientistas, tende, como espécie, a desaparecer da natureza. Se o peixe já anda escasso, extinta a banana, neca de Azul-Marinho. Mas é preciso mais, com o pescado a custar os olhos da cara, tem de haver uma intervenção estatal no mercado.Tabelamento de preços. Onde já se viu, R$ 12,00 o preço do quilo da garoupa?! Ah, e tem mais, o dia 28 de junho, tá lá na lei, será consagrado ao Azul-Marinho. Poder-se-ia declará-lo feriado municipal. Quem sabe meio expediente, pelo menos. Folga do meio dia pra tarde. Quem é que agüentaria atravessar a rua, depois de um opíparo escaldado de peixe com banana verde regado com molho de pimenta malagueta? E veja que estou deixando de fora a caipirinha. O sujeito quer mais é rede na sombra para uma madornazinha, que ninguém é de ferro. De tão locupletada, chega me dar arrotos, a imaginação. Já antevejo, na referida data cívica, numa tradicional casa caiçara, na cozinha ou na sala de jantar, a família reunida, todo mundo em pé, em torno de uma mesa posta, onde, no centro, solenemente disposta, uma travessa fumegante de Azul-Marinho, recendendo coentro. Aí então, todos os comensais, compenetrados e perfilados diante do homenageado, entoam o Ubatuba yes, yes, yes. Chego a ter um orgasmo por esse resgate da cidadania caiçara.
Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
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