| Paulo Zumbi / Fundart | | | | Sidnei Martins Lemes. |
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Acredito que cada ser humano tenha uma missão aqui na terra, e que para alguns a missão é especial. Acredito que Nei Martins tenha recebido algumas dessas missões: fazer ressurgir as manifestações na cultura e no folclore do povo; umas já estavam mortas, outras agonizando, outras ainda adormecidas e muitas desvalorizadas... Em meados da década de setenta, nosso carnaval estava numa fase de dormência, até em função de algumas leis que proibiam algumas manifestações como o lança-perfume ou se fantasiar de mascarado; os blocos já não tinham o mesmo ânimo. Enfim, de repente, lá pras bandas do Itaguá, parecendo tambores tupinambás, conclamando o povo para festejar, surgiram os tamborins, os repeniques, os surdos e contra-surdos, cuícas, reco-recos... num batuque inusitado, ritmado, alegre... que fazia qualquer um se arrepiar. Frente a esse batuque estava um mestre, com um apito na boca e uma batuta na mão, fazendo a marcação do ritmo, como se fosse um grande coração. Nascia aí a bateria da primeira escola de samba de Ubatuba, a "GRES Mocidade Alegre do Itaguá" com seu manto azul e branco e dois cavalos marinhos como guardiões. Fantástica bateria, fantástica escola de samba, fantástico mestre e carnavalesco: Nei Martins. Seu entusiasmo foi contagiando e acordando os grandes foliões do bairro do Itaguá e de toda cidade de Ubatuba. Em seguida surgiram a escola de samba do Brasília da tia Eliza, a Verde Rosa da tia Dalva, depois, a Unidos do Perequê-Açú, a Império da Estufa e a Mocidade Independente do Ipiranguinha. Ubatuba virou festa. Os enredos desenvolvidos por Nei destacavam as lendas, os mitos, o folclore, os personagens... valorizando a cultura dessa terra caiçara. Acredito que foi aí que surgiu a vocação e a missão de Nei Martins: a de despertar a cultura popular de Ubatuba. Trabalhando nos enredos foi conhecendo de perto o verdadeiro povo caiçara e sua cultura; foi se apaixonando e cada vez mais se aprofundando nesse universo caiçara. Conheceu os grandes mestres cancioneiros e foliões dos sertões de Ubatuba. Assim, com Zacarias, Maneco Almiro, Joaquim Emídio, Emilio Graciliano, Dito Fernandes, seu Orlando, Pedro Brandão, dona Lalica... com seus folguedos saíram em peregrinação com o Divino Espírito Santo, os Reis, o São Gonçalo, a Congada, a Dança do Boi, a dança da Fita, o Chiba... Nei Martins, nesses trinta anos, foi um referencial para a cultura caiçara ubatubana. Fez o que pode pelo folclore e pela cultura popular de nossa cidade. Na minha opinião, Nei Martins, só não fez mais pela cultura caiçara porque a miopia política, há anos, impregnada nessa cidade, não enxerga de perto os valores dessa terra. Nunca deram a Nei Martins a oportunidade de assumir o comando da Fundart (Fundação de Arte e Cultura de Ubatuba). O que sempre fizeram foi colocar lá dentro políticos para encostarem-se em seus ombros, deixando-o, muitas vezes, com as mãos atadas em seus pensamentos e ideais. E agora? Quem é que vai tocar o apito convocando os foliões para os carnavais, para a peregrinação dos Reis e do Divino Espírito Santo, para os canoeiros correrem em suas canoas, para os compositores e cantores participarem de festivais? Sabe minha gente! Não precisa ninguém mais chamar! Acredito que Nei Martins deixou aos ubatubanos um exemplo grandioso de admirar e amar a cultura e o folclore de nossa terra, assim, somos e seremos conscientes que essa cultura vai continuar, independentemente de quem a chame, pois quem atendia o chamado e estava ao lado de Nei Martins, aprendeu que com vontade, dedicação, amor e carinho, a festa não pode acabar. Adeus Nei Martins e obrigado!
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