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COLUNISTA
Eduardo Souza
31/08/2007 - 16h09
Concurso de Poesias Idalina Graça
 
 

Mania do Luiz Moura tirar sarro do fato de eu ter participado de concurso de poesias, concorrendo com a saudosa Idalina Graça. Brinca com os meus 55 de quilometragem rodada. Como se ele fosse um Adônis. Não queria revelar, mas há indícios de que o amigo Luiz foi quem arranjou a vergôntea para que o José de Anchieta pudesse rascunhar os versos à Virgem, na areia da praia do Cruzeiro. Como a maioria dos amigos que tenho, adora pilheriar. Modo de ser ubatubano. Embora negue, o Luiz também concorreu com a Idalina Graça. Éramos adolescentes quando participamos dos concursos de poesias do colégio Capitão Deolindo. Dona Idalina, naquele tempo, já era uma simpática velhinha. Uma curiosidade: cheguei a datilografar-lhe alguns dos manuscritos do que viriam a ser seus livros. Outro que, na época, fez o mesmo, foi o Ademar Bordini.

A Fundart está promovendo novamente o concurso de poesias que leva o nome de nossa poetisa. Fui informado de que a Fundação deixou de escanteio, na elaboração do evento, o coordenador e o vice-coordenador do Grupo Setorial de Literatura. Coisas da incurável Fundart. Espero, no entanto, que este Concurso de Poesias “Idalina Graça” seja novamente um sucesso e que os nossos bons poetas voltem a concorrer. Há muito não leio poemas da lavra de um José Carlos Góes, de um Jobàn, de um Gilmar Rocha, de uma Eliana de Oliveira, dentre outros.

Aos leitores d’O Guaruçá, três poemas, logo abaixo. Um, de que gosto muito, da Eliana de Oliveira (III Encontro de Poesias – Cidade de Ubatuba –1981); os outros dois, de minha autoria, de bardo caiçara, bordalengo e bissexto.


Pausa
Eliana de Oliveira

Há dias em que amanhecemos
buscando arco-íris na porta do quarto,
rindo das sombras da noite passada,
amando com fúria no nascer do sol.

Há dias em que o universo está na sua boca
serpenteando por todo o seu corpo
preso nos seus cabelos e braços, me fazendo ser
estrela da sua galáxia.

Há dias em que acordo limpa
arrumada e sem dono,
que vejo seu sono bonito e sem transe,
sem fogo sem fome...
e te puxo as cobertas até o ombro.

Há dias em que não nos vemos.


Canoeiro
Eduardo Souza

A minha gente o oceano
– Como percorre o árabe
Em seu cavalo arreado
O deserto que lhe cabe –
Cavalgava-o em canoas
Espicaçando as ondas
Com o aguilhão dos remos
E se propícios os ventos
Com velas de pendão
De panos de sacos.

Canoa não era para o mar aberto
Como é o camelo para o deserto
É navegação precatada, costeira
Do vento sudoeste temerosa
Demandava praia por perto.
Canoa caiçara, canoa de índio
Feita de um só tronco de árvore
De cedro, angelim ou timbuiba.

Se o escultor vê a escultura
Que dentro da pedra dorme
O caiçara via entranhada
A canoa inteira na árvore
Para ser parida à força
Da enxó e do machado.

Feitor de canoas, o caiçara
Sabia de contemplar o tronco
A largura da boca, o calado
O tamanho da proa à popa.
O que canoa não era ficava,
O excesso, ex-árvore na terra,
A gerar húmus na mata.
Geometria, física, matemática:
Sem ter freqüentado escola
Só o primitivo saber da alma.

Caiçara modo de ser caranguejo
Praiano entre a terra e o oceano
Caiçara era modo de ser devoto:
O oratório no canto da sala
Os santos medianeiros, as velas
E a crença de que o mundo
É barco de rumo incerto
E que é certo que o pouco
É muito com Deus e Nossa Senhora.


Infância Caiçara
Eduardo Souza

As casas sem trancas
Entre mimos, dálias
Quintais de galinhas
E pés de jabuticabas.

As crianças cresciam
Nas praias, nas pedras
E nas águas do mar.
Os peixes passeavam
Nos ombros dos homens
Pelas ruas de areia.

Mãos e olhos generosos
Nas tardes de verão
Na varanda dos ventos
E nas barras da saia
Da avó caiçara.

O silêncio do meio-dia
Na terra e no oceano.
No estio Deus expiava
Por cima dos telhados.
Santos nos aposentos
Sérios, impassíveis
Em torno das velas
E o capeta solitário
A dançar no meio do pó
Nos remoinhos das ruas.

Ao revelado e ao oculto
Respeito e reza de terço
E quando a morte vinha
Ficava no centro da sala
De cravos e rosas ornada.

E tudo assim se passava
E ia e vinha sem pressa
Cada coisa a seu modo
Cada modo a seu tempo
E feito sarro de pito
Nos escavados da alma
Grudou-se para sempre.


Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
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