Um certo dia, isso não faz muito tempo, uma menina subiu de canoa pela foz do rio Grande de Ubatuba para conhecer melhor o velho rio. Ao encontrar um pequeno praiado resolveu parar para descansar. Tinha no barranco do rio um buraco e no buraco um guaiamu. Criança tem a inocência, tem carinho, tem amor. O guaiamu sabia disso e foi se achegando muito lentamente da menina, não de medo e sim por deficiência física, locomovia-se apenas com as patas do lado esquerdo, as outras ele não as tinha. A menina, com as duas mãos no rosto, apoiava os cotovelos nos joelhos, observa a aproximação daquele bicho estranho, sem as patas, todo sujo e maltrapilho. Maltrapilho estava também o rio. O guaiamu se achegou e na beira da canoa passou a conversar com a menina. - Oi menina linda, qual é o seu nome? A menina surpresa, responde ao guaiamu. - Oi siri, você fala? Meu nome é Bruna! - Eu não sou siri, eu sou um guaiamu. O que você faz aqui? - Eu estou ajudando a limpar o rio! Respondeu a menina. - Éééé! O velho Grande há muito tempo anda sujo, maltratado, e triste. Ele está precisando mesmo de um pouquinho de carinho. - Você parece triste também, seu guaiamu? - É verdade, eu também ando muito triste! - É porque você não tem as suas pernas? - Não! Essa tristeza já passou, pois eu perdoei quem me fez isso! - E quem te fez isso? - Foi um homem mau! Ele invadiu o meu habitat e tentou me arrancar à força de meu buraco. Eu segurei numa raiz de mangue e não deixei que ele me levasse. Ele então puxou as minhas perninhas e as tirou de meu corpo. Senti muita dor, chorei muito, chorei igual ao dia que levaram minha mãe. Tenho saudades de minha mãe, nunca mais a vi! - É por isso que você está triste? - Estou triste por muitas coisas, mas principalmente por este velho que aí está! - Velho, que velho você está falando? - O velho rio Grande de Ubatuba que você subiu sobre ele! Você quer falar com ele? - O rio fala? - Perguntou curiosa a menina. - Para as crianças ele fala! Que ver? - Ô velho! Acorda velho! Fale com a Bruna, velho Grande! Na margem, ao lado da popa da canoa, uma enorme boca se forma na água, e, em voz grossa, começa a falar. - Oi Bruna, tudo bem? Eu sou o rio, o velho Grande, como eles me chamam. - Oi rio! O guaiamu está triste por você! Você está doente? - É verdade Bruna, eu estou muito doente! - Mas que doença você tem? - Estou sofrendo de inveja! - Innnveeeeja! Mas isso é doença? - É a pior das doenças! - Mas inveja de que e de quem? - Tenho inveja do guaiamu! - Mas porque inveja do guaiamu, se nele faltam algumas pernas? - É justamente isso Bruna! Olhe bem e observe que estão crescendo novas perninhas no lugar das que foram tiradas, elas estão se regenerando e, em breve, ele terá novas pernas e poderá sair correndo por aí a brincar de novo! - Aaaah! Então é por causa da regeneração das pernas do guaiamu que você está com inveja? - É sim Bruna! Tenho inveja porque eu não consigo me regenerar. Cada dia que passa é mais esgoto, mais lixo, mais entulho e diversos tipos de poluentes que jogam em mim. Estão acabando comigo e não consigo fazer nada. Estou sujo, fedido, sem oxigênio e, com isso, pouco a pouco, estou matando e exterminando os meus amiguinhos. Aqui já não existem mais os bagres jundiás, os lambaris, os carás, os muçuns... As tainhas e os robalos já não desovam mais aqui, enfim Bruna, a minha regeneração está sendo impossível. - É senhor Rio! Papai também é triste por você. Ele fala muito do tempo em que o senhor era limpo, cheiroso e bonito. Fala de seus peixes, de seus pássaros, de sua alegria em ver a criançada a se banhar e a te beber. Sabe senhor Rio? Quero te pedir um favor! Não fique mais triste e não tenha mais inveja do guaiamu. Você vai se regenerar e seus amigos irão voltar. Há pessoas se importando com você, há muitas pessoas que te querem ver bonito e cheiroso novamente e essas pessoas estão trabalhando na conscientização de outras pessoas para que deixem de te sujar e de te poluir. Confie em Deus, pois essa situação vai se reverter. Fique feliz! Igual aonde o rio nasce, uma lágrima saiu dos olhos da menina, rolou por sua face e caiu no velho rio. Aquela boca que conversava com a menina abriu um grande sorriso e sumiu. O guaiamu já estava na beira do buraco e de súbito, também sumiu. Passarinhos cantavam, paratis pulavam, borboletas ziguezagueavam sobre o espelho d’água do rio Grande de Ubatuba. Era a presença de Deus.
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