Não brinque com os idosos. Não sabemos o poder que eles têm. Veja o exemplo da dona Maria do Perequê-Açú, a dona Maria do Carmo. Uma velhinha miudinha, católica fervorosa, de risada um tanto quanto estrepitosa, que fala pelos cotovelos e tem como hobby pegar no pé dos prefeitos de nossa cidade, daqueles que não rezam em sua cartilha de paladina dos interesses dos ubatubanos (*). Dona Maria é um exemplo de cidadania. Exerce como ninguém o “jus esperniandi”. Língua afiadíssima. Ubatuba para os ubatubanos – é seu lema, o seu obstinado porfiar. Outro dia, estava possessa com a notícia de que a missa campal da Festa de São Pedro Pescador não seria realizada em seu local tradicional, nas imediações do Cruzeiro. Chiou barbaridade. Xingou as autoridades. Aproveitou para falar mal da tal “feira hippie” – cujo projeto urbanístico encruou, promoveu a remoção de uma daquelas duas amendoeiras (símbolos da cidade) que emolduravam o Cruzeiro e o local ficou parecendo um bivaque em território iraquiano. Não posso garantir, mas acho que plantaram a notícia da missa só para provocar a dona Maria, para que ela metesse o pau no prefeito. Intriga da oposição. Não sei se a missa foi realizada no local desejado pela velhinha. Não saí de casa. Estava chovendo. Choveu no dia de São Pedro!!! Não pude evitar a inferência: a língua afiadíssima da dona Maria chegara aos ouvidos do Porteiro do Céu. Êta velhinha porreta! Pode ser que eu esteja enganado, mas o ser humano possui poderes que só aprende a dominar com o tempo, com a idade. Os jovens são incapazes disso porque estão imersos nos prazeres sensoriais. Nadam na superfície. Mas não são todos os idosos que atingem as profundezas do ser. Muitos se iludem, escravizados pelo tempo e pela gravidade – a física, que atrai tudo para baixo –, tornam-se ranhetas, ressentidos ou paranóicos freqüentadores de academias de ginástica. A estupidez não escolhe faixa etária. Não é o caso da dona Maria do Perequê-Açú. Ela sabe o poder que tem. Mexe com ela! São Pedro que o diga. Sai de baixo! (*) Ubatubano = espécime caiçara em extinção. Não confundir com ubatubense, espécime mais vulgar.
Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
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