| Luiz Moura | | | | Ezequiel dos Santos entrevista Julinho Mendes (à esquerda) para o programa Terra Caiçara, produzido por Litoral Virtual Produções Multimídia. |
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O amigo Julinho Mendes me faz pensar num personagem da mitologia: Sísifo. Faço a comparação por ver o amigo empurrando morro acima essa pedra que é a mantença da cultura caiçara. Muito embora Julinho não esteja condenado a essa labuta, porque a executa por amor à causa, não deixa de ser uma tarefa ingrata e que não atrai muitos prosélitos entre os conterrâneos, nem apoio dos órgãos públicos afins. No domingo, dia 24, dia de São João, Julinho fez o lançamento de seu CD – Caiçarando – no Museu Caiçara. Uma manhã ensolarada, cálida, envolta por um Noroeste, que acabou por trazer chuva na segunda-feira. O Noroeste caiu bem para a ocasião: é um vento que integra a cultura caiçara. Poucos políticos presentes. Uns em plena atividade, outros em processo de ostracismo. Teve comes e bebes típicos. Há décadas, não comia pé-de-moleque com gengibre. Lembrei-me do velho Manequinho Souza, que costumava fazê-lo em casa nesta época do ano. O mestre de cerimônias foi o João Teixeira, que, coincidentemente, aniversariava na ocasião. Como não poderia deixar de ser, o João de Souza (pai da Fátima de Souza, a nossa maior folclorista), assim que nos encontramos na festa, foi logo contando um causo protagonizado por meu pai. Um ambiente alegre, descontraído. A certa altura, um velho conhecido me veio com uma pilhéria, bem ao estilo da nossa espécie praiana. Comparou a situação do caiçara com a das tartarugas do Projeto Tamar, cuja sede fica ao lado do Museu – tanto as tartarugas, como os caiçaras correm risco de extinção. As tartarugas, hoje em dia, nem tanto. A Berenice Gallo está para as tartarugas assim como o Julinho Mendes está para os caiçaras. Ao ver o Museu Caiçara em sua timidez, contrastando com a excelência de seu propósito, não consigo entender como é que os nossos políticos e a nossa classe empresarial ainda não acordaram para o fato de a cultura ser ingrediente importantíssimo para o turismo. Preferem acreditar que as nossas tão decantadas praias sejam suficientes como atrativos. Temos potencial. Faltam incentivos e subsídios. O Museu Caiçara, o Museu Washington de Oliveira, a nossa Biblioteca Municipal Atheneu Ubatubense, os nossos artistas plásticos e artesãos, os nossos músicos, o nosso folclore, as nossas festas religiosas, os nossos eventos culturais são alguns dos ingredientes que deveriam integrar uma política turístico-cultural séria. Penso na cidade vizinha de Caraguatatuba que tem investido em cultura. Lá eles têm um teatro razoável. Então me pergunto por que não podemos ter novamente um teatro, por que não desapropriar o prédio do extinto Cine Iperoig para construir ali o Teatro Iperoig? Um edifício que abrigasse, além do teatro, oficinas artístico-culturais. Infelizmente, fiquei sabendo, está nos planos da administração municipal destiná-lo à educação. Para quê? Por quê? Para poder gastar os obrigatórios 25% do orçamento? Esta seria uma oportunidade rara de mostrar inteligência e enxergar o futuro de uma cidade que depende do turismo. E fico por aqui, deixando meu voto de louvor ao Julinho Mendes pelo empenho em preservar a memória da nossa gente.
Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
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