Quem se lembra do hino do 4º Centenário de São Paulo? Aquele que parodiávamos no grupo escolar: "Sonhei com a imagem tua, c... na calça e joguei na rua"... Não se lembram? Tudo bem. Memória não é o nosso forte. Taí o Lula reeleito. Pois é, morreu o autor do hino: Mario Zan. Autor também da "Chalana", que acho excelente na interpretação do Almir Sater. Não me é possível lembrar de momentos da infância - os das festas juninas - sem associar-lhes a sanfona de Mario Zan. Já os Natais lembram Luiz Bordon e sua indefectível harpa. Bordon morreu no início do ano. Morreram também Arrelia e Carequinha. Todos eles referências daqueles tempos em que nos passavam a mão na cabeça e nos diziam que éramos o futuro do Brasil. Pois é, somos hoje o futuro realizado. Pfui! E os palhaços que restaram no Brasil não têm graça nenhuma. Quando me vêm estas lembranças surge a figura de meu pai. Ausência irreparável. Outro dia encontrei um dos objetos dele que guardo como lembrança. São objetos que contam um pouco da história de meu velho. Trata-se de um material de campanha eleitoral do Jânio Quadros, produzido em 1960 - eu tinha 8 anos -, vendido a CR$ 35,00 pelo comitê político daquele que, durante décadas, foi insuperável no folclore político, no febeapá brasileiro. É um cartão, um pedaço retangular de cartolina, que tem, numa das faces, a fotografia da cara bigoduda do candidato e sobre ela os sulcos da gravação, em 78 rpm, do jingle "Ele vem aí!" Na outra, a partitura e a letra: "Ele vem aí/Ele é um colosso/Ele é paulista de Mato Grosso...". Pois bem, nesta face do disco-propaganda, papai - acredito que sob o impulso da raiva, da decepção - deixou escrito a lápis algumas apreciações: "Jânio era a esperança do Brasil" - "Bêbado, Ladrão e Traidor" - "Bêbado, Ladrão e Covarde" - "Eleito com mais de 6 milhões de votos, mas traiu o eleitorado, renunciando" (sic). Alguma coisa me diz que esse filme se repetirá. Fico também a imaginar o que o meu velho pai escreveria hoje nos materiais de campanha dos nossos governantes. Há uma tese, de Alain Peyrefitte (leia aqui), que diz ser a confiança condição primeira de todo desenvolvimento humano, e que define a política como a mobilização das energias individuais em torno de um objetivo comum. "Toda política digna deste nome supõe uma confiança naqueles que a dirigem. Uma política internacional não merece o nome de política se não visa a uma forma de cooperação em vista de um objetivo comum e proveitoso para todos - o que não exclui de maneira alguma uma sã concorrência no manejo dos meios de atingi-lo. De outra maneira, a política não é senão uma guerra larvada, e a guerra, segundo o dito de Clausewitz, a continuação da política por outros meios" (Alain Peyrefitte). Meu pai era do tempo em que valia o fio do bigode. Hoje a barba inteira não vale nada, tampouco o restante dos pêlos do corpo, muito menos contratos, leis e a nossa pobre Constituição! "Lá vai uma chalana... Bem longe se vai..." E nós aqui, no brejo.
Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
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