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COLUNISTA
Julinho Mendes
16/09/2006 - 07h33
Foi o que me falou Coaquira
 
 
Luiz Moura 

Meu nome é Coaquira. Coaquira de Iperoig! Tenho exatamente 513 anos de idade. Tínhamos muitas canoas, das mais variáveis árvores e dos mais variados tamanhos.

Um dia, lá no pontuaçú (hoje Ponta Grossa do Farol), surgiu um canoão que dava medo, nunca visto; tinha uns varões com panos em cima e andava com o vento.

Eu era ainda menino, tinha meus sete ou oito anos; estava sentado na praia de Iperoig, quando vi chegar aquilo. Gritei pra toda aldeia e todos curiosos vieram pra ver tal canoão. Vovô Kayapika falou:

- Se for homem branco, peguem seus arcos e matem todos!

Mas não deram ouvidos, foram dando confiança, ouvindo conversa fiada, aceitando camisetas, santinhos, quinquilharias...

Deu no que deu! Fizeram-nos de bobo, levaram nossa riqueza, tiraram nossa liberdade e até nossas meninas, os tarados engravidaram.

Vovô falava:

- Não dêem confiança a essa gente!

Vovô tinha razão, depois de sessenta anos foi que foram dar por conta de suas palavras. Já era tarde! Aqueles homens brancos, com suas armas de fogo já tinham dominado todo nosso povo. Já tinham nos maltratados, escravizados, massacrados e nos assassinados.

Vovô Kayapika morreu de desgosto ao saber que a jovem Metakawara, filha de Tibiriçá ia se casar com um tal de João Ramalho, braço direito de Brás Cubas, governador da Capitania de São Vicente; surgindo assim uma aliança entre brancos portugueses e índios guaianazes contra outras nações indígenas. Veja só que absurdo!

O que fazer? O que fazer, naquelas alturas, era ter que acreditar em outra espécie de gente branca. Então, nós Tamoios, nos reunimos. Estava eu, Pindobuçú, Aimbiré, Araraí e Cunhambebe. Diante da situação, nossa saída foi se ajuntar com os franceses. Como diz a Rita Lee: “Tudo virou bosta”. Virou bosta porque nesse contato direto com os brancos contraímos muita doença, o que dizimou milhares da nossa gente, até Cunhambebe foi pro beleléu. Morreu com um tal de sarampo.

Esses dias, eu estava ali na minha praia de Iperoig, debaixo daquela amendoeira, morrreeeendo de rir; só não mijei nas calças porque estava peladão, mas achei muito engraçado a estátua do padre Anchieta pintada de branco; ainda tinha dois pinguços falando um para o outro:

- Esse Anchieta, pintado de branco assim, tá mais pra pai-de-santo do que para padre!

Anchieta era um homem muito bom, foi na praia de Perequêraba (hoje praia do Lázaro) que escreveu seu poema à Virgem Santíssima; até foi nessa ocasião que ele expulsou o temível dragão que morava na gruta da praia da Sununga. Só andava de batina preta, ele e seu amigo Manoel da Nóbrega. Foram eles que intervieram em nossa guerra, e selaram a paz. Foi justamente nesse dia 14 de setembro que foi estabelecida a Paz de Iperoig.

Fomos bobos mais uma vez! Se aquele acordo de paz tivesse vingado, nosso povo, hoje, não estaria morando nas matas do Amazonas e sim estava aqui nesse paraíso, surfando e comendo camarão frito nos quiosques das praias.

Acreditar em conversa fiada e promessa de quem chega em caravela, helicóptero e pára-quedas, está levando esse povo e essa terra, cada vez mais pro fundo do poço. Cuidado com os candidatos gi-rantes da vida, que só em época de eleição dão as caras por aqui. Esses, agora dão as caras e depois levam com as duas mãos! Ouçam o conselho de vovô Kayapika.

- Não dêem confiança a essa gente, porque se não “Tudo vira bosta!”

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