Arquivo Marino Fonseca | |
Outro dia, encontrei-me casualmente com o amigo Aládio, no centro da cidade, numa segunda-feira chuvosa. Aládio é ubatubano de boa estirpe, preocupado com os destinos de nossa cidade. Só tem uma mácula: é corintiano. Conversamos rapidamente sobre literatura e, como não poderia deixar passar em branco, perguntei-lhe sobre o ul-timão. Aládio é dos raros torcedores do Corinthians com alguma lucidez futebolística. Disse-me que agora até torce para que o time chegue ao fundo do poço, pois, quem sabe assim, a diretoria caia. Como tudo o que é bom para o Coringão é ruim para o Palmeiras, desejei, interiormente, que o time do amigo permaneça onde está ou rume à segundona, com toda a glória do passado. Futebol tem dessas coisas. E já que estamos falando do esporte bretão, Aládio e eu somos depositários de imensa saudade das tardes de domingo no campo do Perequê-Açú. A cidade inteira presente. De um lado, os Diabos Rubros, de Nedes, Bieco, Ronald, Novato... Do outro, o A.S.D.E.R, de João Gonzaga, Wilson Guimarães, Dedé Medeiros... Como não havia arquibancadas, nós, da torcida, ficávamos em volta da cancha. Rojões, ovações, apupos, gritinhos histéricos de algumas das nossas mais formosas ninfas que compareciam para adornar o espetáculo. De calções pretos e camisas vermelhas, os Diabos Rubros. Foi, depois do Palmeiras de Ademir da Guia, Dudu, Servilho, Ademar Pantera e outras estrelas, o time do coração. O futebol era parte importante da vida social ubatubana. Nas tardes de domingo, os campos dos bairros ficavam lotados de torcedores de ambos os sexos (naquele tempo só se distinguiam dois) e de todas as idades. Assisti a grandes partidas. Grandes finais de campeonato da Liga Ubatubense de Futebol. À noite, depois da missa, ia-se ao Cine Iperoig para encerrar mais um domingo pacato de nossas vidas à beira-mar. Naqueles tempos não havia ainda a televisão para corromper os costumes, as tradições. Tenho a impressão de que foram os anos dourados do nosso futebol, os anos sessenta. Poderia citar vários nomes de excelentes jogadores, além dos que nomeei acima, mas o mais significativo era o papel de coesão que o esporte representava na vida da cidade. Na região, estimulava o bairrismo, a emulação entre os municípios. Vencer o XV de Novembro, de Caraguatatuba, por exemplo, era a glória. Lembro-me de que esse time da cidade vizinha tinha um goleiro, um tal de China, que pegava até os pensamentos do centro-avante adversário. O bairrismo, não somente no esporte, digo com meus botões, foi fundamental para unir as pessoas, os cidadãos. A pátria Ubatuba. Não mais do que 10 mil habitantes. Provinciana, pacata, mas civilizada. Dava um orgulho danado ser ubatubano. Lembro-me de que, no estrangeiro (em São Paulo ou em Taubaté), quando respondia que morava em Ubatuba, vinha logo aquele ah!... , e uma torrente de perguntas sobre o mar, sobre os nossos costumes. Tínhamos raros visitantes. Turismo naqueles tempos era para poucos. Acho que o tal do turismo de massa nem existia. Turismo de massa é coisa recente. Desvio de entendimento pela estupidez ideológica do igualitarismo. Turismo se fazia com dinheiro no bolso. Era luxo e não cachaça servido no balcão. Naqueles tempos, Ubatuba inteira batia um bolão.
Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
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