Recebi um convite do amigo Carlos Rizzo para integrar a comunidade Ubatubabirds no Orkut. Topei. Já cacei passarinhos na infância (Êpa! Que o Rizzo não me venha com trocadilhos infames ou segundas intenções). Todos os meninos faziam isso naquele tempo. Já escrevi a respeito aqui n’O Guaruçá. Os pássaros silvestres faziam parte da culinária caiçara. Quero me redimir. Aliás, venho fazendo isso há algum tempo. Sustento, com bananas e laranjas, alguns sanhaços, tiés e saíras que costumam freqüentar o quintal de casa todos os anos, durante o outono e o inverno. Infelizmente, os pássaros não podem mais contar com os pomares, as plantações de banana, os terrenos baldios de antigamente. As árvores frutíferas escassearam. Os quintais minguaram. Certas frutas só existem na memória. Outro dia falava, não me lembro com quem, sobre uma fruta que meus filhos nunca provaram e que faz uns trinta anos que não vejo - o cambucá. É de dar água na boca. Pássaros, frutas, pomares, quintais, todas essas coisas estão desaparecendo para dar lugar ao paisagismo, à arquitetura urbana. Semeamos loteamentos e edifícios. Muitas coisas belas e boas vão deixando de existir. Mas o que mais assusta é o escassear dos valores morais em que, os da minha geração, fomos criados. Outro dia, deu no jornal, um bispo admoestou os que estão atirando pedras naqueles petistas que cometeram crimes - que eles, petistas, consideram "erros" - e transformaram o governo e o Estado nesta portentosa latrina. Quem não têm pecado que atire a primeira pedra, disse o bispo. Será que sua eminência deshierarquizou e socializou os pecados? De minha parte, por exemplo, no máximo, tenho cometido uns pecadinhos veniais. Coisinha pouca. Ninguém é perfeito. Mas crime contra o patrimônio público, formação de quadrilha, enfiar a mão desse jeito no bolso do povo, não! Fico cá com meus caga-sebos emudecidos e perplexos a imaginar como o bispo interpretaria as palavras do Evangelho que chama a atenção daqueles que amam o que deveriam odiar e odeiam o que deveriam amar. O crime no Brasil compensa. É o que se consolida no imaginário do povão. Já o articulista da Folha Online, o senhor Hélio Schwartsman, no artigo "Da natureza do crime", diz que o que levou pessoas a desenvolverem o senso moral foi a seleção natural. O sujeito é um darwinista - Darwin, Marx e Augusto Comte ainda tem muitos adeptos no meio da intelligentzia tupiniquim. Continua o articulista: "Pessoas que se comportavam bem socialmente, o que inclui respeitar regras de convivência, teriam sido favorecidas com maior sucesso reprodutivo, passando o que pode haver de genético na moralidade, a seus descendentes". A moral, os princípios morais, as escolhas que os indivíduos fazem são, portanto, segundo o articulista, resultantes de sua herança genética. Ele só não explicou o que fundamentava ou norteava as escolhas daquelas primeiras pessoas que se comportaram bem na sociedade para que fossem favorecidas com o tal maior sucesso reprodutivo. Por que será que jovens evangélicos pobres de uma favela, ao contrário dos demais, não entram para o narcotráfico, para a criminalidade? Seria por causa da tal herança genética? Depois de ler esse artigo, senti-me como um cão velho que se abstém de latir porque já não tem certeza se irá ganhar um afago ou um pontapé. É demais. Prefiro observar pássaros e continuar me redimindo. É uma escolha moral que faço. Agora, se você quer de fato saber das causas, do que está por trás da onda de terrorismo que assolou São Paulo, leia o artigo "Experimento sociológico".
Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
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