Igreja teme que conservadorismo de Bento XVI afaste católicos do ativismo social. A tendência do pontificado atual vai contra um histórico de participação em movimentos sociais que se acentuou na década de 60. Existe até o receio de que o papa substitua alguns bispos progressistas por conservadores

Os católicos que fazem parte das articulações sociais da Igreja vivem o dilema de apoiarem organizações de estrutura democrática enquanto são adeptos de uma instituição com hierarquia extremamente rígida. Esse conflito se agrava quando o conservadorismo, ressurgido com o papa João Paulo II, se intensifica com Bento XVI e tende a afastar as pastorais sociais e militantes de questões políticas.

O sociólogo André Ricardo de Souza, que pesquisou a atuação da Igreja Católica e seus agentes de pastoral na economia solidária (cooperativas, iniciativas de autogestão) conta que os católicos estiveram sempre ligados a projetos de cunho social. "A primeira cooperativa de crédito criada no Brasil, no Rio Grande do Sul, foi trazida por um padre jesuíta para atender colonos alemães". Outro exemplo é uma empresa de fabricação de móveis criada por um padre dominicano na década de 50, em São Paulo.

Teologia da Libertação

Fazendo um levantamento histórico dessa relação igreja x movimento social, Souza conta que com o Concílio do Vaticano, na década de 60, a instituição se abriu. Esse contexto foi propício para o surgimento da Teoria da Libertação, sob a liderança de Leonardo Boff. "Foi uma radicalização dos fundamentos da igreja: pregava o valor da comunidade eclesial de base, dos leigos, contestava a hierarquia rígida e pensava em descentralizar o poder", descreve o sociólogo.

Nessa época, no Brasil, em que os militantes católicos se aproximaram dos movimentos no campo, surge a Comissão Pastoral da Terra , entidade que está na origem do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST. "A religião foi se aproximando da política", explica Souza.

No entanto, entidades católicas de forte atuação junto à sociedade têm por convenção a obrigatoriedade de alguém de alto posto hierárquico ser nomeado pelo Vaticano. "A Cáritas (rede da Igreja Católica de atuação social, composta por 162 organizações presentes em 200 países e territórios, com sede em Roma), por exemplo, tem hoje um bispo que apóia o movimento, mas no futuro podem nomear alguém com outra tendência", cita o pesquisador. Ele salienta ainda que setores progressistas da Igreja temem que Bento XVI substitua bispos progressistas por conservadores.

Católicos no PT

Na década de 80, com o surgimento dos Partido dos Trabalhadores, "ser um militante católico e petista tornou-se quase uma redundância, pois o PT era o que tinha as propostas mais ligadas à área social", conta o pesquisador. Sempre engajados com cooperativas, o movimento campesino, os direitos do trabalhador, lideranças como Frei Beto, Plínio de Arruda Sampaio e Chico Whitaker são representantes desse catolicismo petista de grande expressão nacional.

Segundo Souza, "hoje, com a crise do partido, enfrenta-se também um dilema sobre que rumo tomar, uns se afastam do PT, outros se aliam ao P-Sol (dissidência formada por ex-petistas) ou continuam na sigla".