Rituais muçulmanos misturam-se ao cotidiano de seus adeptos
Agência USP de Notícias - A partir de uma análise antropológica do universo islâmico em comunidades muçulmanas de São Paulo e de São Bernardo do Campo, a antropóloga Francirosy Campos Barbosa Ferreira constatou que o ser muçulmano, além de significar uma entrega total a Deus por meio das orações - e das palavras, gestos e ações que a acompanham -, representa uma entrega corporal que envolve os cinco sentidos. Francirosy apresentou nesta sexta (14) sua pesquisa de doutorado pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. A tese traz também três documentários sobre a religião e que podem ser encontrados no Laboratório de Imagem e Som em Antropologia (LISA), do Departamento de Antropologia da FFLCH. Em sua pesquisa, a antropóloga observou a presença de um "comportamento restaurado" no mundo muçulmano. Esse conceito, criado pelo diretor de teatro americano Richard Schechner inspirado pelos trabalhos dos antropólogos Clifford Geertz e Victor Turner, propõe que a performance teatral é adquirida por meio da experiência, ou seja, da repetição e do constante aprimoramento das ações e do comportamento. "O muçulmano se aprimora na prática do Islã por meio do comportamento restaurado. Quanto mais ele pratica determinados atos e gestos, mais ele se aprofunda e adquire experiência", explica. Como exemplo, Francirosy relata alguns comentários sobre o jejum do mês do Ramadã - quando deve ser feito jejum absoluto entre o nascer e o pôr-do-sol: "Como foi o seu jejum? Ah, foi melhor que no ano passado". A antropóloga lembra que na última quinta-feira (13), teve início o primeiro dia do Ramadã do ano de 1428. Como o modo de vida islâmico é impregnado de religião, os rituais se misturam ao cotidiano, diferentemente do que ocorre em outras religiões. "O muçulmano pára suas atividades para fazer as cinco orações diárias que devem ser realizadas em horários pré-determinados. Dependendo desses horários, deverão ser feitas n prostrações. O praticante deverá estar voltado para a cidade saudita de Meca e, muitas vezes, ele pede para que ninguém passe na frente dele porque naquele momento ele deve estar voltado totalmente a Deus." Treino dos sentidos São esses comportamentos, ou performances, que irão modelar os cinco sentidos. De acordo com a antropóloga, o paladar é diferenciado porque há uma série de alimentos que não podem ser consumidos. A visão é treinada para um comportamento mais recatado: um homem não deve olhar nos olhos de uma mulher que não seja da mesma família que a dele e vice-versa. O olfato está ligado aos rituais de limpeza (ablução) antes das orações. Já o tato - o sentido menos valorizado na constatação da pesquisadora - está relacionado ao fato de homens e mulheres não se tocarem da mesma maneira como ocorre na cultura ocidental. A audição é o sentido mais valorizado. "O profeta Mohammad [fundador do islamismo] ouviu as revelações do arcanjo Gabriel e passou o conhecimento adiante. É uma cultura que valoriza o ouvir e o falar", explica. Para realizar a pesquisa, Francirosy entrevistou muçulmanos brasileiros (revertidos ou de nascimento), os sheiks Jihad Hassan Hammadeh e Ali Mohammad Abdouni, e fez análises das festas do Desjejum (Eid al-Fitr) - que ocorre no final do Ramadã -, e a do Sacrifício (Eid Adha), que ocorre dois meses e dez dias após o Ramadã, em que é feito o sacrifício de carneiros. Documentários Os documentários que fazem parte da pesquisa são: Allahu Akbar - Deus é maior (29 minutos) sobre o Ramadã; Sacrifício (13 minutos), que além do Eid Adha aborda também o Hajj (a peregrinação a Meca que deve ser feita pelo menos uma vez na vida por todo muçulmano em condições físicas e financeiras); e Vozes do Islã (25 minutos), que traz os comentários de três praticantes da religião sobre assuntos como o uso do véu, casamento, a relação entre os revertidos e os nascidos muçulmanos, e a relação pesquisador - pesquisados. Os cinco pilares do Islã são: adorar a Deus, fazer as cinco orações diárias, pagar o Zakat (contribuição a ser paga anualmente à mesquita no valor de 2,5% da renda anual, revertida para os pobres), jejuar no mês do Ramadã e fazer o Hajj. Segundo Francirosy, não há dados exatos sobre a população muçulmana no Brasil, mas a pesquisadora estima que esse número pode variar entre 200 mil (segundo estudo do geógrafo francês Philippe Waniez) e 1,5 milhões de pessoas (segundo a própria comunidade muçulmana). Mais informações: (0**11) 3091-3045 ou e-mail fcbf@usp.br, com Francirosy Campos Barbosa Ferreira. Pesquisa orientada pela professora Sylvia Caiuby Novaes.
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