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COLUNISTA
Julinho Mendes
24/03/2006 - 14h30
Foi o Eduardo César
 
 
 
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  Os rachos de canoas (já destruídos), na praia de Iperoig, em frente ao aeroporto Gastão Madeira.

Sempre ao entardecer, depois da pescaria e das vendas dos peixes, depois da lavagem nas canoas, dos entralhos e remendos nas redes, depois da varrida em volta do velho ranchinho, enfim, depois de cumprirem o cotidiano, a lida do dia-a-dia, Fifo e Alfredo Vieira, sentavam aos pés do velho abricoeiro e punham conversa fora: contavam casos, relembravam acontecimentos, planejavam pescarias e, de todas as conversas, de todos os sonhos, de todos os sentimentos, eles falavam sobre o futuro. O que seria o futuro?

Das coisas materiais, o que eles tinham de mais precioso era o velho ranchinho, pois foi ali que eles cresceram, sustentaram suas famílias, educaram seus filhos... O velho ranchinho abrigava suas canoas, seus remos, seus balaios, suas redes, seus anzóis... foi o velho ranchinho que garantiu suas subsistências, suas dignidades.

- Não tem jeito, compadre! Um dia vamos perder nosso ranchinho! Falou Fifo.

- Ééééé compadre, o progresso tá chegando! Argumentou Alfredo. Lá no Itaguá já derrubaram o rancho do Sebastião e fizeram uma praça. Coitado! Viveu a vida toda ali, criou sua família dali, e nem sequer lembraram dele!

- Ééééé compadre! Deveriam fazer uma homenagem a ele colocando o nome dele na praça!

- Éééé compadre! Se ele fosse um doutor ou fosse um político, talvez a praça tivesse o seu nome!

- Ééééé compadre! Tá lá o exemplo, homenagearam Santos Dumont e por cima do aviador pregaram o Alberto Santos. Lá no Perequê a avenida tem o nome do governador Abreu Sodré; tem rua lá com nome de Pandareco e Marechar Pisca o disco...

- Não é Pisca o disco compadre; é Marechal Pilsudski e não é pandareco e sim Paderewsky.

- É esse mesmo compadre! Em vez de a rua ter o nome desse tar de Piscodisco, que nunca ninguém viu, deveria ter o nome do saudoso Benedito Hilário, grande fazedor de balaio e o maior pescador de garoupa de Ubatuba; ele era dono daquela terra toda lá!

- Ééééé compadre! Não esquente a cabeça com isso e pode ter certeza que quando nós morrer, vão quebrar nosso ranchinho, vão cortar nosso abricoeiro e até os guaroçás terão que se mandar daqui, e pode ter certeza que nunca lembrarão de nós.

- Ééééé compadre! Você disse bem! Só depois que nós morrer, porque enquanto eu for vivo, ninguém encosta no meu ranchinho, e, se vão lembrar de nós ou não, não faz mal!

A conversa continuou por muito tempo entre os dois compadres; foram dias, meses e anos... a conversa voava pelas nuvens, canoava além do horizonte do mar diante de seus olhos, vagava pelos tempos e se deparava com a incerteza do futuro. O que seria deles? O que seria de seus velhos ranchinhos? O que fariam naquele local?

O tempo passa e a velhice chega... chega também a morte e a matéria do homem vira pó. Nunca jamais devemos esquecer desses homens, mesmo que não tenham sido doutores, políticos ou militares e sim porque foram homens que fizeram parte da história do povo caiçara, ajudaram a desenvolver a cidade e deixaram raízes; estão aí seus filhos, seus netos, seu povo; o povo caiçara.

Pois é amigo Fifo, amigo Alfredo Vieira! Vocês imaginavam que ali no lugar dos seus velhos ranchinhos construiriam uma pista de Skate, uma ciclovia, uma obra de lazer e descontração??? Vocês imaginavam isso? Talvez não! Mas acredito que vocês estão gostando e estão felizes por saberem que no local do velho ranchinho, crianças irão se divertir e passarão o tempo em atividades físicas, praticarão esportes, e muitos deles, com toda certeza estarão fora do mundo das drogas e dos vícios.

Amigo Fifo, amigo Alfredo Vieira; tenho certeza que, aonde quer que vocês estejam, vocês estão contentes, e mais contentes ainda vocês ficariam se a pista de Skate que está sendo construído exatamente no lugar do velho ranchinho, recebesse o nome de vocês. Quem sabe os doutores políticos homenageiem os caiçaras doutores dos mares, colocando um singelo monumento dizendo: RANCHO DOS SKATES "JOÃO SERPA (Fifo) e ALFREDO VIEIRA".

Pois é! Esse causo eu escrevi em 08/10/2001, quando ouvi boatos de que a nova praça teria nome de um político. Sensibilizado com a história, Eduardo César, ainda vereador e pleiteando a prefeitura, elaborou uma lei que deu a praça o nome dos velhos pescadores. Quase cinco anos depois, nós do Museu Caiçara agradecemos e sempre iremos agradecer ao Eduardo César por esta nobre ação em prol da cultura caiçara. E por falar em Museu...

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