Frente aos avanços ocorridos na medicina, nos tempos atuais, é possível que uma mulher tenha uma gestação sem que para tanto mantenha relações sexuais com o parceiro que será o pai biológico de seu filho.
Inúmeras são as técnicas de reprodução assistida, sendo as duas mais conhecidas e utilizadas, a inseminação artificial, onde o sêmen colhido é introduzido no aparelho genital da mulher e a fertilização in vitro, quando a fecundação se dá fora do corpo feminino, sendo posteriormente o embrião transferido para o útero.
Visto isto, surgem duas situações em que a reprodução assistida pode trazer reflexos na vida do doador: a que ocorre na constância do casamento e a que ocorre fora dele.
Não havendo declaração de maternidade ou paternidade no registro de nascimento, possível é a propositura da já famigerada ação de investigação de paternidade ou de investigação de maternidade, para apuração do pai ou da mãe biológicos e o conseqüente reconhecimento da filiação.
Questão interessante surge quando a reprodução assistida se der na constância do casamento, onde o marido ou companheiro assente com o fato, impugna a legitimidade ou originalidade do sêmen.
O Código Civil português, já prevendo situações dessa natureza determinou em seu artigo 1.839: "Não é permitida a impugnação da paternidade com fundamento em inseminação artificial ao cônjuge que nela consentiu.", sendo certo que, no direito brasileiro, a legislação ainda é omissa e enseja possibilidade de intermináveis batalhas jurídicas.
Nesse caso, se a impugnação for julgada procedente teremos um problema de família que poderá até justificar a dissolução do casamento ou da sociedade conjugal além do da filiação a ser examinado e resolvido.
Outra hipótese, mais preocupante, diz respeito à mulher que, em sendo solteira, separada judicialmente, divorciada ou viúva, submete-se a uma das formas de reprodução assistida logrando uma gestação e filhos sem pais.
Poderão estas crianças investigar sua paternidade biológica, aforando a competente ação investigatória contra o doador do sêmen que fecundou o óvulo de sua mãe?
A resposta merece detida análise pois, enquanto crianças, representadas ou assistidas por sua genitora, o direito e a moral repugnariam tal forma de proceder, com base no inaceitável beneficiamento da própria torpeza. Quando adultas, o ânimo já não seria mais de quem escolheu o sêmen X ou Y mas sim de um inocente que veio ao mundo por obra e graça de seu pai (doador) e sua mãe (receptor) e que teria o direito de saber sua ascendência, até por motivos de segurança genética, como soe acontecer com casamentos entre irmãos que nunca se viram, independentemente do direito à filiação estar assegurado pela Constituição Federal.
É necessário ter-se em mente que os avanços científicos foram muito mais rápidos do que a evolução do pensamento da sociedade, cabendo-nos estudar a necessidade e utilidade da criação de normas que venham a permitir a utilização, eticamente aceitável, de tão importante avanço tecnológico.
Finalmente, mesmo levando-se em conta o avanço do liberalismo moral, nossa sociedade, intimamente, outorga o direito ao filho havido fora do casamento de, se o quiser, obter o reconhecimento judicial da paternidade que lhe foi negada pelo pai biológico, mesmo que em decorrência de ser mero doador de sêmen, assim como confere-lhe o direito de tornar-se, seu legítimo herdeiro.