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Ano 1 - Nº 5 - Ubatuba, 15 de Fevereiro de 1998

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· Figurinhas Carimbadas
Eduardo Antonio de Souza Netto
articulista@ubaweb.com

Toda cidade pequena tem seus personagens pitorescos, são suas "figurinhas carimbadas", conhecidos de todos por se destacarem com suas excentricidades. Não são homens que figurarão nos livros de história, todavia, ficarão para sempre na memória coletiva.
Em Ubatuba, sempre fomos férteis desses personagens que faziam a vida mais alegre. Não acredito que hoje em dia as cidades possam tê-los mais - elas deixaram de ser o espaço das individualidades, para ser o da massa uniforme, sem graça e sem memória. Hoje elas se voltam estupidamente para a contemporaneidade incessante, para um eterno presente.
Dessas figurinhas, o Dito Cambito é, sem dúvida, das que mais carinhosamente guardo. Um personagem de minha infância. O Dito foi o operador do projetor de filmes do Cine Iperoig e era respeitado por mim e pela garotada fanática por cinema. Na adolescência, passei muito tempo sem vê-lo. Alguns anos mais tarde, encontrei-o pelas ruas da cidade. Não era mais o Dito que conhecera, o operador daquela máquina de fantasias: magro, esquálido, olhos vermelhos de cachaça, cultivando um doce far-niente, vadiando trôpego pelas ruas com a camiseta do São Paulo Futebol Clube, dando broncas, resmungando de tudo e de todos.
Do Dito Cambito contam-se muitas histórias. Tem, por exemplo, aquela do dia em que resolveu acompanhar a procissão de chinelo-de-dedo, estando com uma baita ferida infeccionada no dedão de um dos pés. Um machucado doloroso à beça, latejante, mal podia andar, mesmo assim, lá foi o nosso Dito.
Arranjou uma brecha na fila e lá pelas tantas, a procissão seguindo compassada pela rua, um infeliz, um desavisado, deu de pisar no pé machucado do Dito. Oh, santa mãe da misericórdia! Oh, dor desgramada, alucinante! De sair lágrimas daqueles olhos vermelhos da marvada branquinha. Dito olhou para o alto, para o andor de Nossa Senhora, desgostoso e contrariado, e tascou: - Nossa Senhora que me perdoe, mas eu não fico mais nessa merda de procissão! ... E saiu do cortejo, resmungando.
Não creio que o ocorrido tenha sido levado a débito de sua conta-corrente divina. Tenho certeza de que foi perdoado no ato. Ele deve estar no céu operando o projetor do também falecido Cine Iperoig para um bando de caiçaras que já se foram.Fim do texto.

· Projeto Turis, dinheiro jogado no lixo
Herbert Marques
hmarques@iconet.com.br

Em 1974, ainda sobre a euforia do "Pra frente Brasil", a Embratur lançou entre os empresários do turismo, um projeto que havia sido mandado confeccionar na França e que tinha como objeto o desenvolvimento do turismo naquilo que chamavam Costa Verde e que compreendia o litoral norte do Estado de São Paulo e sul do Rio de Janeiro, ou seja, o eixo Santos-Rio. Chamava-se Projeto Turis e seu objeto era tão somente, depois de minucioso estudo feito por esta empresa francesa, vocacionar as micro regiões existentes neste eixo para futuros empreendimentos.

Costa Norte de Ubatuba - Foto: Herbert José de Luna Marques

Dois anos antes, tomando conhecimento da elaboração desse projeto, uma grande editora do país, responsável à época pela edição de uma revista mensal que tinha por objeto mapear política, social e economicamente uma determinada região, chamava-se "Realidade", partiu também para um projeto em que tinha como objeto prever a grande megalópole do ano 2000, qual seria, a união das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro pelo crescimento das cidades do Vale do Paraíba, unindo-se aos dois pólos e formando aquilo que se projetava como a maior concentração humana da América Latina e provavelmente do mundo.

Esses dois projetos tinham uma coisa em comum, estudar a ocupação do litoral paulista e fluminense, embora em prismas diferentes, visto que o primeiro destinava-se a orientar as empresas de turismo e prefeituras na ocupação ordenada e vocacionada do solo, e o segundo, naquilo que deveria ser esta ocupação a nível de lazer para uma classe trabalhadora que ocuparia todo macro eixo Rio-São Paulo.

Tanto o primeiro, quanto o segundo, erraram em sua filosofia e estrutura básica de elaboração, visto que nem uma coisa nem outra aconteceu ou irá acontecer na meta determinada, o ano 2.000.

O Projeto Turis hoje descansa em uma das gavetas da Embratur e certa feita, quando precisamos consulta-lo, somente foi possível encontrar no arquivo morto daquela repartição pública.

Os poucos que ainda se lembram dele, podem perfeitamente admitir que o erro essencial em sua confecção foi o de que somente técnicos estrangeiros participaram de sua elaboração, faltando um estudo sociológico não só da cultura de nosso povo, que não tem nenhuma vocação para planejamento e obediência às regras predeterminadas, como também, da própria região, floresta tropical frágil em seu ecossistema, vulnerável ao convívio com o homem sem que sofra sérios danos, muita das vezes irrecuperáveis.

Hoje sabe-se que com muito menos da metade do que foi gasto naquele projeto majestoso, teríamos alguma coisa mais palpável, podendo ser usada em toda a região a nível de orientação, o que, com o seu abandono não foi feito, crescendo ao longo desses anos desordenada e caoticamente, somente não sofrendo maiores danos em razão da criação de um Parque Estadual que embora até hoje não funcione, inibiu a ocupação desordenada na maioria de sua extensão.

Quanto a previsão da revista "Realidade" de que estaria formada a primeira megalópole das américas no ano 2.000, dando a todo o litoral uma posição invejável, visto localizar-se, em média, desse eixo, 100 km de distância, dando opção inclusive às pessoas de morarem na praia e trabalharem no eixo Rio-São Paulo, também não se concretizou, certamente por influência de acidentes econômicos e sociais não só ocorridos em nosso país como em todo o universo.

Contudo, isso não impede que novos projetos possam ser feitos para essa região, evitando com isso um desordenado crescimento e muito mais, sem as mínimas condições de atender a sua grande vocação, o lazer.Fim do texto.

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