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Ano 1 - Nº 4 - Ubatuba, 17 de Janeiro de 1.998

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· Guapuruvu
Eduardo Antonio de Souza Netto
articulista@ubaweb.com

"O enraizamento é talvez a necessidade mais importante e mais desconhecida da alma humana.
Mesmo sem conquista militar, o poder do dinheiro e a dominação econômica podem impor uma influência estrangeira a ponto de provocar a doença do desenraizamento."
(O Enraizamento - 1.943 - Simone Weil)

Tem-se a impressão de que ele observa, lá das montanhas, o seu império cá embaixo: a vastidão da mata e o Atlântico. Destaca-se com seu tronco reto, esbranquiçado, a ramagem e a copa lá no alto, imponente... É o guapuruvu. Mais do que uma árvore, foi vida para um povo - o caiçara. Serviu para os homens confeccionarem suas canoas e, para os meninos, das hastes das folhas caídas no chão, gaiolas e arapucas de prender passarinho.
O caiçara da praia e o do sertão não via a Mata Atlântica como uma síntese de árvores, como um ecossistema, como um conceito. O caiçara via, sim, as suas árvores, seus arbustos, cipós, plantas, animais, insetos e sabia o nome e o significado de cada um. Um aprendizado, uma herança indígena. Conhecia as diferenças onde o forasteiro só vê árvores e o verde que tanto anseiam preservar a qualquer preço, depois que se distanciaram da natureza em nome do progresso, do consumismo que nivela tudo e todos na superficialidade.
Talvez porque, enquanto existiram em comunidade, os caiçaras, mais do que ninguém, sabiam preservar seu meio ambiente. Não por motivos hedonistas ou por questões de moda, mas por necessidade, pelo enraizamento, que faz com que o homem respeite a tradição e não cuspa no prato em que come. Para o caiçara, a natureza não está somente do lado de fora como objeto, mas dentro de si, como sentimento, como valor, como limite e liberdade, como significado e modo de ser.
Ubatuba - SP - Praia do Itaguá - Foto: Pedro Paulo Teixeira Pinto As canoas, por exemplo, são batizadas, tem nome. Síntese de necessidade e liberdade, a canoa retirada do guapuruvu e também de outras árvores como a cajarana, o ingá, o cedro e o angelim, é, para o caiçara, feito o cavalo para o gaúcho. Com elas vencia as distâncias e eram instrumentos fundamentais para a pesca nos rios e no mar. Há muitas histórias relacionadas às canoas e aos canoeiros caiçaras no enfrentamento das inconstâcias do mar e dos ventos perigosos que trazem a morte aos imprudentes.
Quando vejo um guapuruvu de porte, em alguma montanha da Serra do Mar, tenho uma terrível sensação de tristeza. Lembra-me esses meus conterrâneos humildes, crédulos que, sem nenhuma orientação, foram submetidos a diabólicos interesses imobiliários que se manifestavam através de sugestionamentos, de promessas de uma vida melhor na cidade e até mesmo da grilagem de suas terras, usando-se, para tanto, de meios violentos, da força física ou dos meandros cartoriais.
A maioria dos caiçaras deixou as praias de Ubatuba, vieram para a cidade morar em casas populares na periferia. Não pescam mais. São serventes de pedreiro, braçais, mão de obra desqualificada. Os poucos que ficaram, que ainda têm um pedacinho de terra, alguns prestam serviços aos turistas, têm um botequinho, uma barraquinha na praia, outros são caseiros, cuidam das casas dos veranistas, de seus jardins ou são marinheiros para levá-los, os "dotores" com suas lanchas modernas e velozes, nos pesqueiros de onde, no passado, tiravam o sustento e que conhecem por tradição, geração após geração, com a palma das mãos. Onde o estrangeiro só vê água, eles sabem onde estão os parcéis abaixo da superfície, para pescar as garoupas, os meros e os sargos. Sabem se o fundo é cascalhado, para as corvinas ou os locais bons para os cercos de aprisionar peixes de passagem, como os cardumes de carapau.
Ver, hoje, um guapuruvu frondoso, em algum lugar da Mata Atlântica, me dá a impressão de que ele sofre como um cristão desacreditado, de que foi informado não ter sido predestinado ao Reino de Deus. O guapuruvu, lá no alto, sonha vir a ser canoa no além, lá embaixo, na imensidão verde-azulada do oceano, no reino de Netuno. A vida sem poesia e fé é insuportável.Fim do texto.

· O ano que já terminou
Ricardo Yazigi
ryazigi@iconet.com.br

Copa do Mundo de Futebol - 1.998 Em que ano nós estamos? Para os judeus já passamos do ano cinco mil, para os chineses o ano é sempre representado por um animal (dragão, porco, boi etc.), para alguns cristãos estamos no início de 1.998 e para outros estamos no final de 1.998. Nesse ano, o carnaval cai no fim de fevereiro, os feriados serão quase todos emendados, tem copa do mundo de futebol e ainda por cima, teremos eleições, em dois turnos, é claro. Portanto, quem for empregado assalariado vai festejar e aproveitar bem tantas folgas. Agora, os patrões que se cuidem. Em plena época globalizada, as empresas não tem o direito ao descanso. A produção tem que ser cada dia mais eficaz e o controle de qualidade impecável. Para os concorrentes estrangeiros, carnaval é ótimo só para quem vai passar as férias no Brasil, feriados emendados são coisa de terceiro mundo, copa do mundo de futebol não é motivo para se parar de trabalhar e eleição obrigatória é coisa de país atrasado.
Todo início de ano, videntes, paranormais, especuladores e economistas fazem suas previsões afim de conquistar a fama. Se errarem, ninguém vai se lembrar, se acertarem, a pontaria lhes garantirá fama e dinheiro, mesmo que por um curto período de tempo.
Vou aproveitar a oportunidade para arriscar. Prevejo que 1.998, para nós brasileiros, já terminou. Com tantos eventos vai sobrar pouco tempo para o trabalho, o resto do mundo que continue trabalhando para que as bolsas dos tigres não despenquem ainda mais. Para o Brasil só resta torcer. Vamos torcer para o penta e para que nosso próximo presidente se lembre de que sem educação não há país que sobreviva.
Felizmente, o brasileiro é um povo otimista. No fim tudo vai dar certo, se ainda não deu certo é porque não chegou o fim. E para todos um feliz 1.999.

Feliz 1.999

Fim do texto.

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