Se a gente procurar no dicionário a palavra síndrome, ficaremos quebrando a cabeça para entender como uma planta pode ter síndrome de alguma coisa. Síndrome se origina do grego, syndromé, que indica "reunião’, "concurso". Na medicina indica um conjunto de sinais e sintomas, que caracterizam um estado mórbido, que pode ser produzido por mais de uma causa, como por exemplo a síndrome de obstrução intestinal, a síndrome de insuficiência respiratória, a síndrome do pânico. Na linguagem dos biólogos, as plantas possuem síndromes por que apresentam um conjunto de características nas estruturas reprodutivas para atrair animais, gerando um tipo de interação planta-animal. Muitas vezes há uma interação tão forte entre planta e animal que há um processo de coevolução. Mas para entender toda essa história temos que começar pelas interações entre plantas e animais. As plantas geralmente têm quatro tipos de interações com animais: quando a planta serve ao animal e o animal não causa prejuízo há comensalismo; quando o animal consome parte da planta, causando-lhe prejuízo há parasitismo; caso danifique sementes ao consumir frutos há predação, e quando a planta e o animal se beneficiam da interação há o mutualismo. Existem duas formas importantes de mutualismo: a polinização e a dispersão de sementes. Na polinização, certos animais visitam diversas flores procurando néctar ou pólen, que são seus alimentos. Nesse processo carregam grãos de pólen de uma flor a outra, possibilitando o cruzamento até mesmo em longas distâncias. Essa interação planta-animal é muito importante para a reprodução sexuada das plantas, que por sua vez é responsável pelo fluxo gênico entre diferentes populações e pelo aumento da variabilidade genética. Portanto, tanto o animal quanto a planta se beneficiam: o animal ganha o alimento e as plantas são polinizadas. A dispersão de sementes é outro processo ecológico muito importante para as plantas. Para algumas delas, apenas os animais são capazes de dispersar suas sementes e em troca recebem alimento. A dispersão é benéfica para as plantas, pois as sementes são levadas para longe da planta-mãe, evitando predadores que conhecem a localização original das mesmas, e parasitas que porventura poderiam ser passados da mãe às plântulas, ou seja, locais mais propícios à sua germinação. Conseqüentemente, a dispersão aumenta a taxa de sobrevivência das sementes. Morcegos são bastante hábeis nessa função, pois defecam ao voar, espalhando as sementes que consumiram por locais variados, aumentando as chances das sementes se estabelecerem em sítios distantes do sítio da planta-mãe. Um pequeno morcego frugívoro neotropical (Carollia perspicillata) pode comer até 60 mil sementes de embaúbas em uma noite. Uma colônia de 40 indivíduos destes morcegos pode "plantar" 2.400.000 sementes por noite. Imagine a quantidade por ano! O mutualismo é a interação mais importante. Os animais se beneficiam da interação através da obtenção de alimento. O grau de interdependência entre plantas e animais varia muito, havendo até sistemas espécie-espécie. Para os morcegos, por exemplo, as interações ocorrem desde o surgimento dos vegetais vasculares, e os benefícios obtidos por planta e animal levaram a um processo de coevolução. Os resultados desse processo são duas síndromes: a quiropterofilia e a quiropterocoria. Plantas que apresentam características florais adaptadas à polinização por morcegos (quiropterofilia), geralmente, apresentam um conjunto de características tais como: abertura dos botões florais à noite, pétalas de cores claras, odor forte, grande produção de néctar ou pólen, ântese (abertura do botão floral) noturna, exposição nos ramos e tamanho de médio a grande. Existem exceções a esse conjunto de características, como no caso de bromélias polinizadas por morcegos. Entretanto, nota-se que quanto maior é o grau de dependência, melhor a planta se enquadra na síndrome. Outras síndromes de polinização são: melitofilia (por abelhas), miofilia (por moscas), ornitofilia (por aves), cantarofilia (por besouros), anemofilia (por vento), entre outras. A quiropterocoria é a síndrome da dispersão de sementes por morcegos. As características encontradas em tais plantas são: frutos verdes quando maduros, frutos com odor forte e expostos nos ramos e grande número de sementes. Também há exceções, como os frutos de árvores, que podem ter sementes grandes e, no entanto, também são dispersos por morcegos de maior porte, como os frutos do baru. Outras síndromes de dispersão podem ser citadas, como: zoocoria (por animais), ornitocoria (por aves), anemocoria (dispersão pelo vento), autocoria (dispersão realizada pela própria planta). Há casos em dispersão de sementes, que a interação pode ocorrer a três, quando, por exemplo, aves ou morcegos retiram os frutos das plantas, levando-os a outros locais, e formigas ou roedores pegam as sementes caídas e as levam para tocas no chão, onde têm sua germinação facilitada. Essa é, portanto, a história das síndromes de dispersão das plantas. Não uma doença, mas um conjunto de características comuns a frutos dispersos por agentes dispersores semelhantes; ou simplesmente a resposta evolutiva da planta para otimizar a ação dos dispersores de suas sementes. Nota do Editor: texto de Ludmilla Moura de Souza Aguiar e Fabiana de Gois Aquino, pesquisadoras da Embrapa Cerrados.
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