Nostalgia boa, com sabor de um tempo que passava aparentemente mais lento, onde a disputa era alcançar o alto do pé de jabuticaba. O "rodízio" era feito em um fogão a lenha. Comíamos broa com café. Não havia luz elétrica. As velas traziam acolhimento. O casarão amarelo era grande demais, mas minha alegria era ainda maior. Tudo tão antigo, aquele aparelho de rádio que ecoava noite adentro, meu tio dormia agarrado nele. Minha família sempre foi numerosa, pena que esse alicerce já não está aqui de uma forma concreta, mas em meu pensamento todos vivem. Enquanto pelo menos uma pessoa lembrar de nós, existimos. Isso é fabuloso! Saudade dos livros que lia, do rigor do colégio católico, da vizinhança bondosa - que ajudava sem interferir - gente de coração nobre e um bom senso que quase não vejo nesse tempo líquido. Boas lembranças do fusca branco que me levava para todo lado, do parque que anualmente se instalava ao lado de casa, da peteca feita com as penas das galinhas de angola que caiam lá na roça. Uma infância simples e profunda, que deixou raízes e moldou o que sou. Aquela gente simples, que ia descalça para a única escola da região, a meninada que não tinha noção do que era prédio, apartamento... tão boa aquela plenitude, o essencial está ali, aquele é meu lugar. No meio de Minas, essa terra que amo, lugar em que nasci e cresci, de gente desconfiada, como eu, está meu paraíso "particular". As casas foram vendidas, outros devem estar lá, vivenciando talvez alguma coisa boa, genuína, que valha a pena ser lembrada depois. Os tempos são outros, naquela época eu andava na mata sozinha, ia de uma fazenda a outra. Ficava parada em frente ao lago, contemplava a natureza, caminhava solta, sem amarras. O máximo que enfrentei foi a fúria de algumas abelhas e algumas pinguelas escorregadias. Nada além. Quando me canso, quando os assuntos já não me interessam, quando tudo parece desmoronar ao meu redor, se me sinto só ou triste, vazia, desprotegida, e se a superficialidade deseja reinar, volto em pensamento ao meu silêncio, me deixo guiar pelo cheiro do café que existiu por longos anos, reencontro meus entes queridos e brindo à vida em uma caneca bem simples, descascada na borda, e como um pedaço daquela broa de fubá.
Nota do Editor: Sayonara Lino é jornalista, com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora e atualmente finaliza nova especialização em Televisão, Cinema e Mídias Digitais, pela mesma instituição. É colunista do Literário e também do Sorocult.com.
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