Hoje percebo que poucas coisas mudam de fato com o tempo. Não sei se já escrevi em algum lugar que sim, o tempo abranda algumas situações, sim, o tempo nos traz uma nova percepção a respeito de situações pregressas, sim, o tempo... esse enigma. Se já, cairei em contradição. Mas como mudamos sempre de ideia, não me importarei com isso. Quando a mágoa é extensa e profunda, quando a vida parece não caminhar, quando as dificuldades tornam-se repetitivas e o chão parece ter sido arrancado, não, o tempo não ameniza o golpe. A razão dirá "sim, com o tempo tudo muda, tudo passa". E o coração dirá "não, para mim, tudo isso, esse tempo largo, comprido, ainda não passou. Tudo ainda tem gosto de ontem." As lembranças teimam em retornar, a consciência cobradora grita, a emoção transborda. O tempo muda as coisas de lugar, novas necessidades surgem, novos desafios despontam, e assim nos distraímos. E uma vez que tudo isso se acomode, o passado ressurge sorrateiro e sussurra: "existem assuntos pendentes, situações não resolvidas, sentimentos mal elaborados." Não aceito o convite do retorno, mas pareço ser arrastada. Desejo ir em frente e nunca mais voltar a este "não lugar". Essa lacuna que urra, esse descompasso entre o presente e o que passou e simultaneamente permanece, essa desconstrução. O que fazer para o véu do esquecimento cobrir de uma forma definitiva as lembranças dolorosas? Esse véu é fino demais, a linha que deveria dividir o hoje do ontem é tão tênue e frágil, que hoje, meu amigo, não posso falar sobre flores.
Nota do Editor: Sayonara Lino é jornalista, com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora e atualmente finaliza nova especialização em Televisão, Cinema e Mídias Digitais, pela mesma instituição. É colunista do Literário e também do Sorocult.com.
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