O ser humano começou a dominar a agricultura e a domesticar os animais durante a chamada “revolução neolítica”, há cerca de 10 mil anos. Com o acesso regular aos grãos e às carnes, houve uma melhora na alimentação, o que possibilitou que o aumento demográfico se mantivesse lento, mas crescente ao longo dos séculos. Calcula-se que no ano 1 da Era Cristã a população mundial estivesse em 250 milhões de habitantes, passando para 500 milhões por volta do ano 1500, um bilhão por volta do ano 1800 e sete bilhões de habitantes em 2011. De revolução em revolução, o homo sapiens se espalhou por todos os cantos do Planeta e se tornou uma espécie onipresente e quase onipotente. Mas existem pessoas que consideram que o ser humano é muito “espaçoso” e não se importa com a biodiversidade e a sobrevivência de outras espécies. Inúmeros pesquisadores consideram grave o fato de o ser humano já ter uma pegada ecológica maior do que a Terra pode sustentar. Outros, como a revista National Geographic, acham que, colocados lado a lado, os sete bilhões de habitantes do mundo cabem dentro dos limites de uma cidade grande, como a região metropolitana de São Paulo. Porém, as pessoas não vivem em pé, lado a lado, e precisam de casas para morar, escolas para estudar, hospitais para se tratar, áreas de lazer etc. Principalmente, precisam de terras para cultivar grãos, legumes, hortaliças e espalhar os rebanhos que são fontes ricas e fartas de proteína. Desta forma, a ação humana vai muito além dos seus limites físicos. Para medir o impacto ecológico da humanidade é preciso levar em consideração o conjunto das atividades antrópicas. Vejamos apenas o número dos principais rebanhos terrestres a serviço dos interesses dos sete bilhões de humanos. Segundo dados de 2009 da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) existiam no mundo 19 bilhões de galinhas, 1,4 bilhão de bovinos, 1 bilhão de porcos, 1 bilhão de ovelhas e um número considerável de cabritos, búfalos, coelhos, capivaras, javalis, avestruzes, gansos, perus, patos etc. Sem contar outros animais domesticados (humanificados) como cavalos, camelos, gatos, cachorros etc. A China tinha 4,7 bilhões de galinhas (3,6 por habitante), 451 milhões de porcos, 128 milhões de ovelhas e 80 milhões de vacas e bois. Assim, em 2009, a China era proprietária dos maiores rebanhos suíno, ovino e avícola. O Brasil, com o maior rebanho bovino do mundo, tinha 210 milhões de vacas e bois (o Brasil tem mais gado do que gente). Tinha também 1,2 bilhão de galinhas (6,5 por habitante), 40 milhões de porcos e 16 milhões de ovelhas. Os Estados Unidos tinham 2 bilhões de galinhas (6,8 por habitante), 100 milhões de vacas e bois, 65 milhões de porcos e 6 milhões de ovelhas. A Índia também possui consideráveis rebanhos bovino, suíno, ovino e forte avicultura. Não é preciso muito esforço para imaginar o quanto de terra, água e ar é preciso para alimentar todo estes rebanhos que servem para saciar a fome e até a gula dos seres humanos. O gado bovino, por exemplo, tem um impacto ecológico enorme. Além da grande quantidade de terras necessárias para as pastagens (muitas delas obtidas por meio de desmatamento de florestas, cerrados e savanas), calcula-se que na produção de um quilo de carne bovina são gastos 15 mil litros de água, conforme estimativa do pesquisador John Anthony Allan, que usa a metodologia da chamada “água virtual”, considerando todas as etapas da cadeia produtiva. Além disto, o boi e a vaca são animais ruminantes, cujo processo digestivo provoca uma fermentação que faz o animal liberar muito gás metano. O metano é o segundo gás que mais contribui para o efeito estufa, sendo 21 vezes mais poluente do que o gás carbônico (CO2). Cada animal bovino adulto libera cerca de 56 quilos de metano por ano. Portanto, os 1,4 bilhão de bois e vacas do mundo liberam algo em torno de 78 milhões de toneladas de metano por ano, o que é uma contribuição significativa para o aquecimento global. O impacto ecológico de todos os animais domesticados para uso alimentar (galinhas, vacas e bois, ovelhas, porcos, búfalos, patos etc.) ou para lazer e outros desfrutes (cavalos, cachorros, gatos etc.) é enorme. Por exemplo, o desmate das franjas da floresta amazônica não está sendo feito tanto pela ocupação propriamente humana, mas sim para a venda de madeiras, a propriedade do solo e a criação de áreas de pastagens para o gado. A densidade demográfica da Amazônia legal é baixa, mas as áreas devastadas, a ferro e fogo, são enormes. Segundo o jornalista Leão Serva (FSP, 20/12/2011), 35% da floresta amazônica foi desmatada ou degradada nos últimos 23 anos. A cada dia fica mais claro que a continuidade do crescimento da população e de seus rebanhos é uma séria ameaça ao meio ambiente e à biodiversidade. Além disto, o consumo excessivo de carnes provoca a obesidade e diversos problemas de saúde. Atualmente, em várias regiões do mundo, a obesidade mata mais do que a fome. Assim, para minorar o impacto ambiental e melhorar a saúde individual existem campanhas para a diminuição do consumo de carne, tais como: “Um dia sem carne: o planeta agradece!” (Meatless Day). Nestas campanhas se considera que a alimentação sem produtos de origem animal aumenta a disposição e diminui os estragos no planeta, pois ajuda a) evitar câncer; b) perder peso; c) baixar o colesterol. Além das campanhas de um dia sem carne existe a dieta vegetariana que propõe diminuir ao máximo o uso de carnes e até mesmo evitar qualquer alimento de origem animal. As dietas vegetarianas buscam substituir as proteínas animais por alimentos ricos em carboidratos, fibras dietéticas, magnésio, potássio etc. Uma alimentação vegetariana adequada pode ser capaz de atender às necessidades nutricionais do organismo, na medida em que se garanta a adequada combinação dos alimentos. Porém, o vegetarianismo é muito mais do que uma preocupação com o aquecimento global. Antes de tudo é uma filosofia que remonta à antiguidade e se baseia na concepção de respeito aos animais e na negação da suposta superioridade humana. O vegetarianismo filosófico defende a vida animal e condena o consumo de carne por motivos morais e por solidariedade entre as espécies. Entre grandes personalidades vegetarianas da história se destacam Buda, Plutarco, Ovídio, Leonardo da Vinci, Tolstoi, Mahatma Gandhi etc. Nesta mesma linha, o veganismo é uma filosofia de vida motivada por princípios filosóficos e éticos, tendo como base os direitos inalienáveis de todos os animais. Os veganos defendem o boicote a qualquer produto de origem animal ou de produtos que tenham sido testados em animais, incluindo o não uso de vestuário proveniente de animais (como couro e peles); cosméticos, produtos de limpeza, alimentos, os esportes como corridas de cachorros, touradas e até os animais usados em circos. O vegano é contra o antropocentrismo e considera que os animais possuem existência própria e não foram feitos para a alimentação ou o desfrute humano. Os animais devem ser sujeitos de direitos, assim com existem os direitos humanos. Os veganos consideram o especismo uma forma de discriminação e também combatem o uso de animais em experiências de laboratórios. Por tudo isto, pode-se até concordar que ao longo da história a domesticação dos animais tenha provocado uma revolução na economia e na alimentação humana. Porém, se a humanidade, no passado, soube tirar proveito da natureza e dos animais, ganhando densidade, volume e espaços em todos os cantos do mundo, isto se deveu muito mais ao egoísmo e ao desfrute da biodiversidade para interesse próprio, do que do uso da sabedoria, da inteligência e dos princípios ambientais éticos e morais. O ser humano se domesticou domesticando animais. A radicalização desta trajetória leva à substituição de uma possível sinergia pela entropia. É cada vez maior a percepção de que o domínio humano sobre a natureza e sobre as outras espécies está seguindo uma rota rumo ao precipício. A visão utilitarista do uso indiscriminado do meio ambiente e dos demais seres vivos para satisfazer o apetite e consumo próprio pode levar a espécie humana ao suicídio e, pior ainda, ao biocídio, pois o ser humano está se tornando o “predador de outras espécies”. A ideia de que o ser humano é a espécie mais avançada do mundo, e até mesmo do universo, se desnuda, a cada dia, parecendo mais uma simples manifestação de arrogância. Isto é o que se chama de especismo, que é a discriminação de uma espécie sobre outras, ocorrendo, em geral, quando os seres racionais se consideram superiores aos seres sencientes não racionais. Para estar no ápice da evolução, uma espécie precisa, antes de tudo, saber respeitar a sua casa (Gaia, Pachamama etc.) e seus vizinhos (biodiversidade). Por meio da dominação e da exploração e sem uma convivência respeitosa entre todos os seres vivos, o que cresce são os riscos de que a diversidade da vida sucumba em um futuro cada vez menos distante. Nota do Editor: José Eustáquio Diniz Alves, colunista do EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas - ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br.
|