Época de Natal costuma ser um desafio para a espécie humana. Falo isso porque no quesito compras de impulso só não são afetados os animais e plantas – embora quanto aos pets comece a surgir um certo consumismo por parte de seus tutores... bom é que eles ainda não descobriram como solicitar um cartão de crédito, não é? Mas voltando ao tema, homens e mulheres são afetados psicologicamente pelos fortíssimos apelos ao consumo. A palavra "promoção" faz muita gente se empolgar por compras que a princípio não planejavam fazer. Esse tipo de comportamento ocorre há inúmeras gerações e não é privilégio de brasileiros – você já deve ter visto as famosas filas nas lojas de grandes capitais mundiais com gente que chega a passar a noite aguardando o momento da abertura da loja para não perder a grande oferta, seja em Nova Iorque, Paris, Londres, sob sol, chuva ou neve. Fica a pergunta: de onde surge este encanto da palavra promoção? Para entender como isso funciona, aponto alguns conceitos antropológicos e sociais. Certas palavras disparam reações aprendidas por várias gerações, como é o medo de baratas. Até hoje nunca ouvi relato de alguém morto por baratas, ou ainda de ataque de baratas em massa a uma população, mas o medo de baratas supera até o da morte, para alguns indivíduos. Isso se explica não pelo aspecto visual do inseto, mas pelo medo ensinado pelo contexto social, que na verdade tem muito mais de nojo do que medo. No caso do conceito de promoção, a menção da palavra dispara uma sensação de facilidade e desafio simultaneamente. Este mix de facilidade e desafio faz com que a razão abra espaço para um sentimento que tem raízes na “caçada”, que é do ser humano e se refere a “conquistar, caçar oportunidades”. Ao ver a placa de promoção, ou liquidação, homens e mulheres sentem como se o lado animal fosse estimulado numa caçada socialmente aceita, onde a caça está “aguardando” o caçador. Prova disso é o entusiasmo da amiga que mostra as compras fabulosas que fez na hora do almoço gastando só um pouquinho porque ela, caçadora, achou uma oportunidade fabulosa na liquidação... já ouviu ou disse algo semelhante? No entanto, em certos casos o “caçador” nem gostaria tanto assim de ter esta “caça” nas mãos, principalmente quando adquire algo que não era exatamente sua vontade, mas foi na onda... Isso ocorre não só entre as mulheres, pois homens também transformam-se em “caçadores consumistas” principalmente se for uma promoção de algo que eles gostam e admiram. Quanto maior o grau do desejo mais a racionalidade deixa espaço se não houver um controle e consciência do que se vai fazer. Quando transportamos este cenário de “caça” para o cotidiano vamos entender porque certas pessoas literalmente ficam entorpecidas com a compra não pensada – foi a tentação da caçada, como um animal que encontrou uma presa sem estar faminto, atacou-a mas dela comeu pouco, deixando o resto para outros predadores. A partir do momento que entendemos quais estímulos falam mais alto e afastam nossa racionalidade, devemos procurar manter a consciência para assim evitar um descontrole, que no caso dos animais seria a caçada terminar em morte; no caso humano consumista é a compra terminar numa dívida que complica o orçamento. Assim como um animal despreparado ataca uma caça sem analisar se tem condições de ganhar a luta, um consumidor compulsivo vai em busca da satisfação que a compra por impulso pode trazer: satisfação momentânea. Isso acontece porque qualquer processo de reação impulsiva é reflexo de uma inconsciência, uma transferência de algo que nos faz falta transformada na compra ou posse de um determinado objeto. Por este motivo pessoas compulsivas se desencantam depois de terem comprado alguma coisa, e vão buscar outra forma de satisfação. A compra compulsiva pode ser comparada a um vício, capaz de dominar a pessoa e levar a um cenário de descontrole financeiro absoluto. Para evitar que a “caçada” termine em “morte”, a primeira coisa é ter consciência que a pessoa tem um descontrole quando se trata de consumir. Um exemplo simples do que fazer para evitar isso é deixar cheques e cartões de crédito em casa e andar com dinheiro suficiente para a rotina diária. Assim, se a compra for realmente importante a pessoa terá de voltar para casa e analisar se vale mesmo a pena adquirir o objeto. Outra coisa que ajuda é pagar em dinheiro, porque o pagamento via cartão ou cheque não parece “envolver dinheiro” e dá uma sensação de conquista sem dificuldade. Ao pagar em dinheiro percebemos melhor seu valor e significado em termos de horas de trabalho, reflexão que pode trazer uma certa dor nas laterais dos quadris, onde os bolsos costumam ficar. No cenário do século 21, a “caça” vem até nós e temos a “savana” do consumo ao nosso alcance online. Com os sites de venda e o advento das compras coletivas ficou ainda mais fácil ser tentado pela fúria consumista. O trunfo dos sites de compra coletiva é o conceito de “ofertas que podem acabar logo”, altamente explorado em vendas. Quantas vezes pessoas compram produtos porque hoje, ou nesta hora, estão com preço mais em conta? O detalhe é que, em boa parte das compras, há limitadores para uso dos serviços oferecidos, como os restaurantes que oferecem preço atraente somente para consumo fora dos feriados e fins de semana. Agora, se a compra coletiva envolver algo que é realmente interessante, conscientemente desejado e com condições para ser aproveitado, vale aproveitar, desde que isso não gere dívidas. A forma mais eficaz de lidar com o “instinto consumista” é via autoconhecimento, seja por aprendizado e leituras ou por acompanhamento profissional. A promoção não é vilã do orçamento, pelo contrário, pode se tornar uma aliada para bons negócios desde que atenda ao que a pessoa realmente busca. No fim de ano há mais ofertas de carros novos, que incluem licenciamento e IPVA gratuitos para o ano seguinte. Eletroeletrônicos também apresentam uma redução nos preços ou ampliação das formas de pagamento justamente para que o natal do comércio seja bem gordinho. Se a pessoa tiver pesquisado e poupado ao longo dos meses poderá fazer boas compras. Lembro também que já está se tornando uma tradição brasileira a liquidação logo após o natal; se for o caso, analise com os familiares a possibilidade de, para os adultos, postergar por uns dias a compra dos presentes. Para crianças vale manter a tradição do Papai Noel, mas gente crescida pode referir ganhar o presente depois - e ainda comprar mais com os descontos que certamente virão. Nota do Editor: Suyen Miranda (www.suyenmiranda.com.br) é consultora de saúde financeira é graduada pela USP em jornalismo e publicidade.
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