O Greenpeace exibiu ontem, durante coletiva à imprensa em Manaus, fotos de balsas carregadas de toras e pátios abarrotados de madeira nobre na recém-criada reserva extrativista Verde Para Sempre, em Porto de Moz, no Pará. A organização ambientalista mostrou ainda imagens em vídeo de grandes áreas de desmatamento ilegal recente na Terra do Meio e na região da BR-163, que demonstram que a falta de ação consistente do governo federal está resultando em verdadeira corrida pela destruição da Amazônia. Durante sobrevôo na quinta-feira passada, ativistas do Greenpeace documentaram intensa atividade na floresta e várias balsas carregadas de madeira descendo os rios na área da reserva Verde para Sempre. Entre as empresas fragradas está a Internacional Madeiras. No início de dezembro do ano passado, ela foi multada em R$ 603.000 por exploração irregular de madeira, teve 14.900 m³ de toras de madeira apreendidos e seu plano de manejo em Porto de Moz foi embargado durante a Operação Porto de Moz, realizada pelo Ibama, Polícia Federal e Exército. A punição não impediu a empresa de continuar a operar ilegalmente, se beneficiando da ausência de agentes do governo na área desde que a operação foi encerrada, no final do ano passado. O pátio da empresa está lotado de toras. Imagens de satélite processadas pelo Greenpeace mostram que o desmatamento na Terra do Meio em 2004 aumentou 35% em relação a 2003 e já chega a 70 mil hectares. Nos últimos três anos, o total destruído na região (176 mil ha) é maior do que todo o desmatamento acumulado até 2001. As fotos e imagens de vídeo da Terra do Meio mostram grandes desmatamentos em áreas de floresta pública destinadas a se tornarem unidades de conservação, como consta do Plano de Combate ao Desmatamento lançado com pompa e circunstância pelo governo Lula no início do ano. Já a BR-163, que liga Cuiabá a Santarém, ganhou um outro ambicioso plano - o "BR-163 Sustentável", que inclui a adoção de rigorosas medidas ambientais, inclusive a criação de áreas protegidas, para evitar que a pavimentação prevista para 2005 provoque desmatamento adicional. As medidas previstas ainda não foram adotadas, mas o simples anúncio da pavimentação atraiu grileiros para a região. "Enquanto o programa contra o desmatamento patina em Brasília, madeireiros, fazendeiros e especuladores aceleram o processo de ocupação e destruição da floresta", disse o coordenador do Greenpeace na Amazônia, Paulo Adario, durante a coletiva. A apresentação foi ilustrada com imagens de satélite, mapas de desmatamento e queimadas e gráficos de produção e exportação de soja, carne e madeira - os três principais produtos ligados ao desmatamento. Os indicadores analisados são piores do que em 2003, quando o desmatamento da Amazônia foi o segundo maior da história. Para o Greenpeace, quatro fatores foram fundamentais para a falta de implementação do plano de combate ao desmatamento: a não liberação dos recursos prometidos; a falta de adesão real dos diversos ministérios envolvidos; a ausência de coordenação forte que transformasse a luta contra o desmatamento numa prioridade real de governo; e uma estratégia de comunicação que envolvesse a sociedade como um todo na luta contra a destruição da Amazônia. "O que se viu foi o contrário do anunciado", disse Adario. "O dinheiro prometido não saiu, o MMA foi acuado por acusações de entravar o desenvolvimento; o agronegócio foi vendido por empresários, pelo ministro da Agricultura e pelo próprio presidente Lula como a salvação da lavoura; e até mesmo o Ibama - que deveria fiscalizar e punir, manteve-se longe da floresta, mergulhado em greves e falta de recursos." O plano previa a adoção de um sistema baseado em monitoramento via satélite em tempo real de queimadas e desmatamento. Imagens e relatórios consolidados a cada 15 dias permitiriam que os diversos órgãos de governo - na área ambiental, trabalhista, fundiária, fiscal e tributária - agissem de forma rápida e coordenada para barrar a destruição na origem. A sociedade teria "participação ativa" no monitoramento e acompanhamento das medidas. Esse sistema, conhecido como Deter, está pronto pelo menos desde junho, mas ainda não está sendo utilizado e não foi tornado público. E não é o único mecanismo à disposição do governo: há também o Sipam, a parte civil do Sivam. Instituições de pesquisas e ONGs que, como o Greenpeace, acompanham o desmatamento com o uso limitado de imagens de satélite e dados de campo, estão extremamente pessimistas. Taxas alarmantes de desmatamento - em torno de 30.000 km² - circularam nas últimas semanas sem que tenham sido desmentidas pelo governo, embora o secretário de Florestas do MMA, João Paulo Capobianco, tenha mencionado mais de uma vez que o desmatamente será "estabilizado" em 2004 - ou seja, estará num patamar similar ao do ano passado, pouco mais de 23 mil km². "Não podemos afirmar com segurança qual o tamanho da área destruída em 2004, até porque o governo não cumpriu seu compromisso de tornar as imagens e dados acessíveis à sociedade", disse Adario. "Mas qualquer que seja o número final, ele será altíssimo e caracterizará uma derrota do presidente Lula e do Chefe da Casa Civil, José Dirceu, que é o coordenador do Grupo de Trabalho criado em julho de 2003 para implementar o plano." "A batalha contra a destruição da Amazônia em 2004 está perdida", afirmou Adario, "e isso é uma péssima notícia para o Brasil e o mundo. O presidente Lula vai reinstalar, hoje, o Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, no Palácio do Planalto. Se o governo federal está realmente comprometido com as questões climáticas, ele deve dar real prioridade ao combate do desmatamento na Amazônia. O Brasil é o sexto maior responsável por emissão de gases que provocam o aquecimento global e essa contribuição vem, principalmente, pelas emissões causadas pelo desmatamento". Enquanto o Plano Safra, lançado em junho para financiar a produção agropecuária- que além de emprego e renda gera desmatamento - tem um orçamento de R$ 39,5 bilhões, o orçamento do Plano contra o desmatamento é de R$ 395 milhões para 2004. Apesar da disparidade dos números, isso é muito mais do que qualquer outro programa de governo envolvendo a proteção da Amazônia já obteve. Desse total, quase R$ 300 milhões viriam de recursos não previstos no Orçamento. No entanto, somente R$ 56.4 milhões em dinheiro novo foram destinados às medidas previstas no plano até fins de novembro. A falta de dinheiro suficiente resultou em graves problemas e comprometeu a aplicação - e os resultados esperados. Segundo relatório reservado do governo, nos primeiros cinco meses do programa, os 13 ministérios envolvidos haviam cumprido apenas 2% das 231 metas previstas para 2004. O Plano previa, por exemplo, a realização de 62 operações especiais de fiscalização em 2004, com o envolvimento, em cada uma, de agentes do Ibama, Exército, Ministério do Trabalho, Incra, Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal, começando em abril. Segundo dados do Greenpeace, até outubro apenas UMA dessas operações de grande porte havia sido realizada - em Itaituba, no Pará. A participação dos órgãos dos diversos ministérios em operações conjuntas, com exceções de praxe, como a Polícia Rodoviária Federal, ficou na lista das boas intenções.
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