Saiu para trabalhar e deixou pelo menos meia dúzia de sentimentos trancados em uma caixa, dentro da gaveta. Saudade, tristeza, frustração, mágoa, rejeição e desânimo. Ao caminhar em direção à porta, sentiu que estava mais leve, com mais vigor e disposição. No escritório, sorriu ao ver os colegas, leu e releu pilhas de papéis sem sinal de cansaço, apresentava um comportamento diferente do habitual. Antes, sentia dores no peito, resultado da angústia que se expressava através do corpo, além de estar entediado de seu cotidiano indigesto. Agora, parecia outra pessoa. Os dias corriam e um certo vazio despontou em seu íntimo. Embora não carregasse sentimentos tóxicos, a alegria parecia artificial e já não se enxergava como ser humano. Parecia um fantoche, sem vontade própria, comandado por outra pessoa. Chegou em casa e foi logo abrir a caixa, resgatar os sentimentos que havia deixado para trás. Mesmo que não fossem bons, eram fruto de sua experiência e parte de sua identidade e memória. Abriu a gaveta e percebeu que não se lembrava de onde havia guardado as chaves. Procurou por todos os cantos, chorou com dificuldade, percebeu que para ser feliz, uma pessoa inteira, é preciso uma dose de dualidade.
Nota do Editor: Sayonara Lino é jornalista, com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora e atualmente finaliza nova especialização em Televisão, Cinema e Mídias Digitais, pela mesma instituição. É colunista do Literário e também do Sorocult.com.
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