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COLUNISTA
Sayonara Lino
11/03/2010 - 07h10
Os livros
 
 

Os livros que viviam em um amplo apartamento da zona oeste da cidade não estavam satisfeitos. Embora morassem em uma área nobre e alguns tivessem vista de frente para o mar, sentiam-se abandonados. Ao todo, somavam cerca de mil e poucos volumes.

Muitos deles eram livros técnicos da área de comunicação, contabilidade, psicologia e psiquiatria. Havia clássicos da literatura brasileira, estrangeira, biografias, livros espiritualistas, de auto-ajuda, infantis e alguns de culinária. Ah, havia também belos livros de arte e os de fotógrafos renomados, como Pierre Verger.

Por falar nisso, os livros de fotografia ocupavam a mesa de centro da sala, como peças decorativas. “Caímos no ostracismo”, resmungavam, enquanto os convidados – distraídos e alterados pelo vinho servido no jantar – folheavam suas páginas sem perceberem a importância do conteúdo que ali estava.

Alguns entraram em depressão, mal ajambrados nas estantes que ocupavam, esperando para serem novamente lidos. Melancólicos, não acreditavam que antes tão solicitados, agora servissem de banquete para as traças.

Ouviam a televisão ligada muitas horas por dia. Não aceitavam que pudessem ser trocados por uma programação sem conteúdo, muitas vezes alienante. “Se ao menos assistissem a programas que acrescentassem algo, seria menos difícil suportar”, desabafava a obra “Em busca do tempo perdido”, de Marcel Proust. “Lamentável”, endossava o livro de arte sobre a pintora mexicana Frida Kahlo, que não era tocado havia mais de um ano.

Os livros especulavam sobre o motivo de tanto descaso. Alguns diziam ser a correria do cotidiano, que não convidava a pausas e reflexões. Outros apostavam no advento da internet como provável concorrente, já que os computadores da casa permaneciam ligados em tempo integral. Nem as crianças, sobrinhas de seus donos, se interessavam pela literatura infantil.

Quanto desgosto! Se fossem doados a bibliotecas públicas, poderiam ser melhor aproveitados. Mas como muitas pessoas adoram aparentar uma certa cultura de verniz, continuavam expostos, para que seus donos transmitissem a quem entrasse no apartamento a impressão de que seriam leitores vorazes.

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