Sou convicto de que existe muita ingenuidade popular e excessiva manipulação política e comercial envolvendo as eternas questões ambientais. Os debates em torno dessas questões são impregnados de crendices e arroubos de um lado, e dos mais escusos interesses, de outro lado. Levante a mão quem acha, depois de um raciocínio mais articulado, que os proprietários de madeireiras realmente comungam com os que pregam a redução drástica dos desmatamentos. Manifeste-se quem acredita mesmo que os fabricantes de seja lá o que for vêem com bons olhos o acordo de reduzir a emissão de fumaça e resíduos tóxicos. E os políticos, patrocinados de uma forma ou outra, por tais empresas, quando não são eles os proprietários? Não acho que seja necessário responder, porque a resposta vive estampada nos atos que a mídia veicula. Convenções e tratados sobre meio ambiente são megaeventos que nunca mudaram para melhor as condições do planeta. Quem se lembra da ECO 92, no Rio? O que ficou melhor depois dela? Infelizmente, estou certo de que a ganância, e o egoísmo e os interesses eleitorais impedirão novamente o cumprimento das falácias que voltaram a tomar as páginas dos jornais e revistas e as telas de tevês e computadores. A única providência exigida pelos astros das convenções e os tratados sobre meio ambiente é aquela que diz respeito ao povo. A que eles delegam como nossa parte: não jogar lixo nas ruas, não prender passarinho, não queimar lixo, fazer xixi no banho etc. Está certo; o cidadão consciente deve fazer sua parte, estabelecendo uma rotina pessoal de educação para a preservação do planeta. Mas, e a parte dos grandes colaboradores para o aquecimento global e outros desastres que o mundo sofre? A falta de educação e discernimento populares é quase nada para o meio ambiente, se comparada com o poder destruidor das madeireiras, usinas, refinarias e afins. E as leis que existem para proteger o planeta e coibir os abusos? Funcionam? Os megaeventos são dispensáveis, e até banais, pelo simples fato de o cumprimento dessas leis ser suficiente para resolver grande parte do problema, em seus aspectos ainda possíveis. Mesmo porque existem desastres, até hecatombes naturais que não têm a assinatura do ser humano. A terra, como todo o universo envelhece, o sol queima seu combustível e tudo passa por transformações que demandam consequências, muitas delas catastróficas para todos nós. É ingenuidade, por exemplo, absorvermos a máxima oficial de que somos culpados, com nossas guimbas atiradas ao chão, pelo terremoto no Haiti. Mas tenho certeza de que os políticos do país, embora não pudessem evitar aquele, entre outros fenômenos naturais, poderiam ter evitado consequências tão funestas, se suas leis obrigassem ou cumprissem a obrigação de critérios mais rígidos para a ocupação ou a especulação imobiliária de regiões situadas em solo propício a tais fenômenos, o que é perfeitamente detectado por especialistas como geólogos. Como não quero me deter na especulação literária da tragédia no Haiti, que dói em todos nós cidadãos conscientes do planeta, vamos a São Paulo, por exemplo. Enquanto muitos culpam o povo pelas enchentes constantes desde o início deste ano, aqueles que deveriam cuidar para que houvesse um projeto de medidas envolvendo urbanização adequada, criação de galerias e outras obras próprias para regiões tão acidentadas continuam se inocentando. Quando chegar o tempo da estiagem, nada será feito a contento e sabe-se lá como será o próximo verão. Com toda a falta de clareza, consciência e educação ambientais, o povo é o menos culpado pelo que acontece ao mundo. Tem sua cota de culpabilidade, mas os políticos, burocratas e empresários têm responsabilidade muito maior. Quanto ao mais, a natureza tem seus caprichos de vontade própria. Está na hora de cobrarmos mais dos nossos cobradores do que eles de nós, pois o poder maior está com eles. Façamos a nossa parte, mas não aceitemos fazer sozinhos. Embora deprecie paráfrases, quando elas epigrafam textos como que autenticando os discursos, quero fechar estas considerações com um fragmento do cantor e compositor Roberto Carlos, apenas porque a simplicidade de sua sabedoria me encantou: “Que negócio é esse de que somos culpados / De tudo que há de errado sobre a face da terra?”. Nota do Editor: Demétrio Sena é educador lotado no CIEP 327. Palestrante. Membro da Academia Mageense de Letras.
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