Entre as várias atividades de lavra mineraria que constituem, em nosso país, monopólio da União, está a “pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos” - Art. 177 da Constituição Federal do Brasil. Fundamentando este monopólio, a Constituição no Art. 20 – inciso “IX” define como “Bens da União” “os recursos minerais, inclusive os do subsolo” e no inciso “VI” – “o mar territorial”. No parágrafo primeiro deste artigo a Constituição estende aos Estados e Municípios participação no resultado da exploração de petróleo, gás natural e energia, tratando, pois, como federativos estes bens, sua pesquisa e lavra ou exploração. Essa extensão atende à nossa realidade físico-institucional, pois, somos uma Federação de Estados decompostos em municípios. Essa participação dos Estados e Municípios e de certas entidades federativas – Ministério da Ciência e Tecnologia e Comando da Marinha do Brasil, materializa-se através do pagamento de royalties pelas concessionários da exploração, em percentagens do valor do barril de petróleo, ou da unidade de gás, definidos pela ANP – Agência Nacional do Petróleo, conforme a legislação ordinária vigente. Royalties é termo anglo-saxão que significa “do rei, ou da realeza”, e constituem uma das formas mais antigas de ressarcimento de direitos sobre riquezas, em geral extrativas, quando concedidas aos súditos para exploração. A atual Constituição Federal ao instituir no Art. 20, parágrafo 1º a participação de certos entes federativos no resultado da exploração do petróleo, estabeleceu tal benefício somente aos entes federativos em cujos territórios, plataforma continental, mar territorial, ou zona econômica exclusiva, se efetive a exploração. Esse exclusivismo, com base na extensão da propriedade territorial individual desses Estados e municípios premiando, apenas, menos de 20 por cento dos municípios brasileiros, exatos 907, esconde uma outra realidade pouco salientada atualmente. Quando da elaboração da Constituição de 88, o fundamento original para a distribuição dos royalties foi um fato de natureza fiscal - a compensação aos Estados e municípios produtores de petróleo, gás e energia elétrica, pela perda do ICMS que fora desonerado nos Estados produtores nas operações interestaduais, conforme ditado pelo Art. 155, inciso “X”, “b” da Constituição, alterando, assim, a sistemática desse imposto que é tributado na origem para todas as demais mercadorias e serviços. Compreende-se daí, na discussão em curso sobre possíveis alterações na sistemática de distribuição dos royalties, a natural resistência desses Estados e municípios produtores, os quais, através dos royalties, foram compensados pela perda do ICMS. Torna-se, entretanto, a cada dia mais evidente a intenção da União de modificar os critérios atuais, especialmente na exploração das camadas do pré-sal que abrigam reservas estimadas muito superiores às das camadas de menor profundidade até hoje descobertas. Ao suspender recentemente a 9ª rodada da ANP que iria licitar algumas áreas do pré-sal e ao obrigar a Petrobras a devolver lotes de áreas cuja pesquisa não se completara nos prazos previstos, o governo deu claro indício de que não deverá perpetuar o “modus operandi” atual. Esse modelo é considerado concentrador de renda e, portanto, indutor de sua má distribuição. Caso não seja alterado, a exploração do pré-sal deverá torná-lo ainda mais concentrador. Corroborando esta necessidade de alteração, a literatura produzida sobre os benefícios sociais e econômicos provenientes dos royalties, entre os entes beneficiados, mostra algumas evidências de que esses recursos estão sendo mal aplicados, notadamente pelos municípios. Um estudo da USP (Universidade de São Paulo), por exemplo, demonstrou que quando os royalties aumentam em 1%, a taxa de crescimento do PIB municipal reduz-se em 0,06%. Isto decorre do aumento observado das despesas correntes ao invés de investimentos criativos de riqueza. Outra constatação feita pela Universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro, mostra que as 30 cidades que mais recebem royalties gastam com pessoal três vezes mais que a média nacional. Outra constatação é de que tais municípios mostram baixo impacto até aqui observado na melhoria dos IDHs (Índice de Desenvolvimento Humano) e PIBs municipais (“Maldições e Bênçãos” – pesquisa do IPEA) Ocorre, ainda, que muitos desses municípios já eram relativamente mais ricos, antes das receitas dos royalties. Existem várias propostas de alteração da legislação atualmente no Congresso. As propostas mais recentes procuram combater, ou reduzir as distorções, destinando recursos para projetos específicos nas áreas de educação, saúde, previdência social, infra-estrutura e projetos de desenvolvimento econômico, com vistas ao futuro. Fala-se na criação de um Fundo, cujos recursos seriam orientados para os fins acima descritos. Estudam-se exemplos da Noruega, Alaska (EUA) e Botsuona (África) que criaram fundos permanentes destinando os recursos à ações de interesse geral e que demonstram estar realizando boa alocação desses recursos. A preocupação que nos parece pertinente, se imbuída de antevisão política do futuro, não deveria ater-se, portanto, apenas ao direito da compensação fiscal. O esgotamento dessas riquezas, ao longo do tempo, deveria estimular, concomitantemente, o surgimento de novas riquezas, capazes de alavancar um contínuo desenvolvimento da sociedade. Por isto, sua melhor destinação a projetos específicos de melhoria da qualidade de vida, da qualidade do ensino público, do melhor adestramento da força de trabalho para a modernidade, do avanço das pesquisas tecnológicas, além de outros, deveriam nortear as discussões atuais. O Brasil já assistiu e sofreu os resultados finais da exaustão dos ciclos do ouro, da borracha, do café, da cana de açúcar, que deixaram paralisadas no tempo regiões inteiras que não souberam, ou não puderam, aproveitar a bonança daquelas épocas para criar novas alternativas de progresso. Lancemos o olhar para a realidade futura de alguns dos atuais países produtores de petróleo que nababescamente desperdiçam seus recursos, para não incidirmos na mesma falta de previdência e de competência criadora de novas alternativas de progresso. Usaremos o pré-sal para nos tornarmos um país de primeiro mundo, ou ficaremos reféns do petróleo, a exemplo da Venezuela e de “outros” emirados e califados?
Nota do Editor: Ernesto F. Cardoso Jr. é Economista (UERJ) e MBA (Univ. of Pittsburgh, EUA).
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