De vez em quando passeio pelo bairro onde moro e tomo um café na padaria da esquina. Hoje, domingo, havia uma atendente muito ríspida. Eu havia observado seu comportamento anteriormente e imaginei que sua vida deveria ser difícil. Um garotinho de uns nove anos entrou e perguntou quanto custava o pão com manteiga. Ela respondeu mal por ele ter falado alguma coisa de forma errada. E o corrigiu de maneira brusca. Olhei para ele e senti muita compaixão, que é melhor que pena. Tão novo, jogado nas ruas e ainda maltratado pelo azedume da moça insatisfeita. Perguntei o que ele queria beber. Foi até a geladeira, pegou o refrigerante, agradeceu e lanchou. Puxei assunto com a moça, comentei que acho uma judiação uma criança tão novinha nas ruas, passando por privações. Ela fez que sim com a cabeça e falou de sua dura rotina. Eu a escutei atentamente e compreendi a situação, o que a deixava tensa, ácida, triste. Saía de casa muito cedo, ficava pouco com a filha e seus horários não se encaixavam com os do marido, que também trabalhava muito. A partir desse acontecimento simples, elaborei uma série de questões, que, por sinal, sinalizo faz tempo. Eu e muitas outras pessoas. O ser humano anda muito carente de alguém que o ouça sem julgamentos, de apoio, de atenção, de reconhecimento, de amor. Somado a isso, ainda existem, com muita frequência, as dificuldades financeiras geradas pelo desemprego ou baixa remuneração que criam mais atritos entre os familiares, prejudicam a auto-estima, trazem angústia e sensação de inadequação. Tem que ter a cabeça no lugar para dar conta do recado. Poucas pessoas tem sabedoria para lidar com a falta. Na abundância a vida flui, na carência é que somos testados. Haja equilíbrio. Na verdade, escrevi sobre isso porque percebi que com gestos simples podemos fazer a vida de alguém um pouco melhor. Nem que seja por um momento. Que outros problemas surjam, paciência. Não sei o que será da vida do menino nem da moça da padaria. Mas hoje, ele não comeu pão a seco. Fiz questão que ele bebesse algo. Não é bacana contar o bem que praticamos, mas meu intuito é incentivar a solidariedade. E pelo menos hoje alguém ouviu aquela moça bonita e melancólica, que as pessoas às vezes nem enxergam, porque menosprezam seu trabalho simples e útil. Já trabalhei em balcão e atendi pessoas exigentes e rudes, que não sabem o valor de um “bom dia”, “muito obrigada”, “até logo”. Um mundo mais agradável e menos violento só existirá a partir da mudança de comportamento: menos egoísmo, mais respeito ao próximo, flexibilidade, tolerância, doação. Caso contrário, sinto informar, nossos cafés irão ralear e virão sem açúcar, com pouco ou nenhum afeto.
Nota do Editor: Sayonara Lino é jornalista, com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora e atualmente finaliza nova especialização em Televisão, Cinema e Mídias Digitais, pela mesma instituição. É colunista do Literário e também do Sorocult.com.
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