Há quarenta anos, o planeta era enorme: a poluição era menor, nossos pais não comentavam sobre mudanças climáticas e as pessoas desfrutavam de mais espaço que hoje. Com o progresso e a industrialização, as cidades se modernizaram, mas seu crescimento ainda era compatível com o número de automóveis que circulavam nas ruas. As pessoas podiam se deslocar cada vez mais rápido e mais confortavelmente. O mundo de hoje é em muitos aspectos bem melhor do que foi há 40 anos. Uma boa parcela de pessoas das classes C e D têm acesso a bens de consumo que seriam impossíveis de se conquistar antes. O que tem de errado nisso? Nada, se não fosse pelo crescimento acelerado do consumo, da população, da ocupação desordenada do solo, das migrações descontroladas para as grandes cidades, e a falta de estratégia para lidar com o crescimento dos deslocamentos. As cidades vêm priorizando o transporte individual em detrimento do transporte coletivo. Todos somos parte desse problema, mas também da solução. O mundo de hoje exige um novo pensamento para a mobilidade, um novo acordo, um "new deal" como dizia Franklin Roosevelt nos anos 30, em relação à economia americana. Não podemos mais ignorar o problema do acúmulo de veículos em circulação nas ruas e o caos dos congestionamentos gerados por soluções incoerentes. É hora para a mudança, que começa com a conscientização de cada um de nós sobre a forma como nos deslocamos pela cidade. Nos próximos 40 anos, o planeta atingirá o incrível patamar de 12 bilhões de pessoas, segundo o economista Jeffrey Sachs. Então, 90% da população viverá nas cidades. Se hoje temos problemas críticos em relação ao trânsito, como será o mundo com o dobro de pessoas, cada um querendo conquistar o seu espaço? Algumas cidades estão realizando grande avanço em relação à mobilidade. Bogotá por exemplo, vem se despontando na América do Sul por meio de um modelo de transporte criado em Curitiba, e desenvolveu o Trasmilênio, um sistema de mobilidade que é conhecido por BRT (Bus Rapid Transit). A cidade ampliou os conceitos de mobilidade integrando os transportes alternativos, tais como as ciclovias, mas não conseguiu lidar com o deslocamento daqueles que utilizam seus veículos particulares. O governo de Bogotá precisou estabelecer normas mais severas como a restrição de veículos em zonas críticas, o aumento do custo dos combustíveis e a diminuição da oferta de estacionamentos, entre outras medidas, para evitar a circulação de automóveis com uma única pessoa. Outros países como a Austrália, México, França, Holanda e EUA, também estão desenvolvendo projetos nessa direção. As nações desenvolvidas não trabalham mais com o conceito de aumentar a oferta de infra-estrutura pública com o intuito de acomodar a frota de veículos circulantes. O conceito atual é desenvolver modelos mais eficientes de gerenciamento do deslocamento da população. Independentemente do formato escolhido pela cidade, será necessário desenvolver um planejamento que integre o transporte público e alternativo, alinhados a projetos de mobilidade corporativa, com campanhas de conscientização. A cidade de Edimburgo é um bom exemplo disso, ela possui uma população com cerca de 448.370 (2003) numa área de 262,28 km². Sua economia é baseada em grande parte por serviços financeiros, Bancos e pelo turismo. A cidade foi decretada Patrimônio Mundial da UNESCO em 1995. A partir da perspectiva do seu planejamento, Edimburgo é considerada mais "européia" do que "britânica", devido à sua elevada densidade habitacional, com muitos blocos de apartamentos no centro da cidade. Como não se pode mexer na estrutura urbana, foi necessário um trabalho rigoroso de mobilidade, que contribui para Edimburgo manter níveis relativamente baixos da utilização de veículos, e de níveis maiores de transportes por ônibus, a pé e por bicicleta. Para incentivar a população, a cidade preparou um portal público, que aconselha a população sobre a melhor forma de deslocamento, indicando meios alternativos ao transporte, com trajetos para se fazer a pé ou bicicleta, e calculando a quantidade de calorias que serão gastas até o destino. Tenho visto boas campanhas de conscientização das pessoas na Inglaterra, com o intuito de fixar a importância de priorizar os meios alternativos de transportes não poluentes, tais como a semana de ir a pé para ao trabalho ou escola durante o verão, e ainda a semana da bicicleta, cujo objetivo é fazer com que o cidadão deixe seu carro em casa. Além disso, carros grandes, que liberam grande volume de CO2 são sobre taxados, enquanto veículos pequenos e pouco poluentes recebem subsídios do governo. A cidade de Paris também incorporou alguns pontos importantes para redução do tráfego e um deles é o chamado climate-driven, ou seja, no inverno, quando a poluição tende aumentar os problemas de saúde das pessoas, os carros são proibidos em zonas críticas. Londres também criou o "Low Emission Zones", que significa literalmente "Zonas de baixa emissão", e que proíbem a circulação de meios de transportes movidos a Diesel em algumas áreas da cidade, com o intuito de diminuir os efeitos Nox e aumentar a qualidade do ar. Em Londres quando uma empresa com mais de 100 funcionários muda de endereço, dependendo da área pretendida, ela precisa comprovar que tem estacionamentos suficientes para acomodar todos os seus colaboradores, e ainda precisa desenvolver um plano de mobilidade sustentável para aqueles com problemas de estacionamento, ou seja, a empresa precisa realizar um mapeamento dos deslocamentos de seus colaboradores e o seu impacto no trânsito local. Mas não é só isso, Londres conta com um processo de mobilidade maduro e um alto nível de consciência sobre a importância do gerenciamento da mobilidade sustentável. Se deixar de dirigir é um processo difícil, então que as pessoas dirijam de maneira mais sustentável é isso que quer dizer o conceito "Drive Another Way", que estimula as pessoas a compartilharem seus carros entre si ou participar do Carsharing, uma espécie de "clube do carro" que é ideal para viagens curtas. Funciona mais ou menos assim: um grupo de pessoas "alugam" um carro pequeno e compartilham o uso entre si dividindo os custos de deslocamentos. Não podemos pensar na mobilidade com as soluções do século passado, é necessário ter criatividade, interesse e parceria entre governo e iniciativa privada, de um lado o governo priorizando a mobilidade das pessoas por meio da infra-estrutura e desenvolvendo meios para permitir com que as empresas possam estabelecer metas de mobilidade e controle de emissões de CO2. Mais do que isso, investir na conscientização da importância e da necessidade de cada pessoa repensar na forma como vem se deslocando na cidade. Nota do Editor: Lincoln Paiva, 40 anos, formado em Comunicação Social, sócio da Believe Comunicação Viva e idealizador do projeto MelhorAr de Mobilidade Sustentável.
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