Nem sempre a vida é linear. Essa cobrança externa de ter que fazer tudo igual e obedecer a certos padrões pode ser ultrapassado e frustrante. Eu por exemplo, vim de ré. Tudo comigo foi ao contrário, do avesso, meio tobogã. Nasci antes do tempo e cheguei atrasada, os outros irmãos já crescidos, meu pai estava com 43 anos e apenas uma avó havia restado. Comecei minha primeira faculdade, de Letras, aos 20 anos, abandonei, fui fazer jornalismo aos 23, formei tarde, tenho 31 anos e estou buscando um lugar ao sol. Tenho muitos amigos casados, com emprego fixo, casa, comida e roupa lavada. Lavada por eles. Acho ótimo isso de ter equilíbrio, resolver a vida o mais cedo possível, ser independente emocional e financeiramente, dar conta do recado. Apoiado. Acontece que por mais de mil motivos nem todo mundo arranja um par ideal na adolescência, casa de papel passado, recebe o canudo aos 22 anos e já laça aquele emprego bacana, fala cinco idiomas, tem o carro do ano, formou-se na melhor universidade e, além disso, é descolado, carismático e faz parte daquela bela família de comercial de margarina. Justamente por isso, porque a vida não é um programa de TV roteirizado, nem um comercial elaborado para atingir um público alvo. Imprevistos acontecem. Talvez você não tenha tido oportunidade de estudar, ou se teve, talvez não tenha sido maduro o suficiente para escolher o curso mais adequado. Pode ter enveredado pelos milhares de estímulos, festas, devaneios e perdeu um pouco o rumo. Desfocou. Quem sabe um problema na família o tenha desestruturado e não tenha encontrado o suporte necessário, não teve forças, sentiu-se sozinho, desestimulado. Daí a dificuldade de seguir regularmente, batendo ponto, fazendo tudo do jeito “certo”. Quem sabe aquela preguiça constante seja uma depressão mascarada, ainda não resolvida, talvez nem identificada. Perde-se a produtividade. Sabe-se lá. Alguém que amava morreu, um filho querido nasceu no momento em que você menos imaginava, com a pessoa que você não amava e isso tirou você do sério. Tudo tão tumultuado... As cobranças tornam-se muitas vezes um fardo, principalmente no íntimo. Cá para nós, as coisas acontecem internamente. Veja bem, fazer um mestrado pode ser adequado a certas pessoas, mas talvez para mim, para você, abrir um negócio, trabalhar no comércio, possa ser bom e mais lucrativo, mais prazeroso. Ficar solteiro por uns tempos, avulso, morar com a mãe aos 45 do segundo tempo pode ser uma alternativa, sim. Não ter feito a faculdade não é a morte, ser mãe solteira não é o fim da picada, ter uma personalidade diferenciada não é contravenção. Quem foi o juiz que bateu o martelo e determinou que as pessoas não podem exercer sua individualidade, quem prefere andróides fugidios a pessoas felizes, resolvidas, sem culpas e explicações a dar? Bato nessa tecla pois muito me incomoda pensar que se todos somos únicos, embora com características comuns, é possível trilharmos caminhos que diferem dos outros. E isso me parece tão óbvio que confesso, fico perplexa com a insistência dos que cobram comportamentos uniformes. Socorro. Cada um na sua, cada personalidade um desejo, respeito às vidas não lineares.
Nota do Editor: Sayonara Lino é jornalista, com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora e atualmente finaliza nova especialização em Televisão, Cinema e Mídias Digitais, pela mesma instituição. É colunista do Literário e também do Sorocult.com.
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