Eu, bicho do mato, nasci em cidade pequena com nome de rio, cresci na roça, brincava de peteca com os primos maiores, andava de fusca, beijava bezerro, gostava do cheiro de esterco, era muito faladeira, comia muito doce na padaria e extrapolava a caderneta, levava bronca e chorava à toa. Cresci em bairro de classe média, tinha muitos amigos, comprava figurinha compulsivamente, brincava de casinha mas só gostava de montar os cômodos. Depois íamos comer os bolinhos de chuva que a mãe da Bia fazia.

Andava de bicicleta no terraço de minha casa quando chegava da escola. Estudei em colégio católico, onde minha tia-avó é freira e em escola pública durante um ano, onde minha mãe era professora. Era apaixonada pelo meu coelhinho chamado Luka que andava no meio das crianças nas festinhas que fazíamos e servíamos angu frito e guaraná. Tive também um cachorro com um nome chique, Dingo da Luz da Ribalta. É mole?

Ah, na roça, descia os morros em uma espécie de carrinho feito de bambu e quase parava do outro lado do rio. Fui perseguida por um enxame com uma amiguinha que morava nesse lugarejo, o Capivari, e saímos ilesas. No campo, gostava mesmo da comida caseira da tia Eny, do rádio de pilha do tio Darcy e de um cachorro metido, o Zé Raul, com quem eu fiz amizade de tanto insistir. Ele não queria nada comigo.

Gostava do motorista do ônibus escolar, paixão de criança. Jogava o “Jogo da Vida”, “Banco Imobiliário”, “War” e outros, não consigo lembrar de todos. Assistia a novela ’Carrossel” na casa da vizinha, pois na minha havia duas TVs, mas uma era antiga com o o tubo enguiçado e o pessoal queria assistir o jornal das oito.

Frequentava a novena do bairro, andava de patins e caía demais, era magricela do cabelo comprido, estudiosa, adorava meus livros, minha vida, meu mundo, tão belo por sua simplicidade.