No Brasil temos uma tradição muito forte de uso de águas superficiais. Quando se fala em água, sempre são mencionados os mananciais de superfície: represas, lagos, rios, córregos. Entretanto, para surpresa de muitos, no Estado de São Paulo, o mais desenvolvido da federação, aproximadamente 50% dos municípios são abastecidos exclusivamente por águas subterrâneas. Nosso país deve orientar-se pelo uso da água subterrânea em toda sua potencialidade. Os estados precisam estar equipados com leis adequadas para a gestão correta do uso deste recurso, além de se equiparem para sua preservação, uma vez que o esgoto doméstico é o principal poluente potencial de nossos aqüíferos e é função do estado de fazer sua coleta. Água, hoje em dia, é assunto. Há até conjecturas sobre possíveis guerras futuras para o acesso à água. Hoje, água é pauta para várias discussões. E 97% da água disponível para consumo humano no planeta é subterrânea. Logo, a pauta deverá inexoravelmente caminhar para o entendimento desta como parte de nosso dia-a-dia. Todos nós vimos um poço um dia em nossas vidas, mas poucos de nós parou para pensar em como a água chega ao seu interior, se sua quantidade varia com o passar do tempo, se a qualidade também varia com o passar do tempo. As respostas simples para estas questões permitem-nos organizar nossas ações visando a preservação da água subterrânea e, por extensão, das águas como um todo. Por serem subterrâneas, esses 97% nos são praticamente invisíveis, somente aparecendo em nascentes, e lembradas quando vemos um poço. Em primeiro lugar, as águas subterrâneas são armazenadas nos poros do material geológico que compõe os chamados aqüíferos, cuja etimologia remete a um material com capacidade de armazenar e transmitir água em quantidades apreciáveis. As águas de chuva, ao atingirem a superfície do solo dividem-se em uma parte que escoa superficialmente, indo alimentar diretamente os rios e lagos, e outra parte que se infiltra, indo alimentar os aqüíferos. Esse fenômeno chama-se recarga e é o responsável pela realimentação da água que aparece nos poços e, em grande parte, das águas que fluem nos rios e drenagens superficiais. Muitos rios do nordeste do Brasil são alimentados quase que exclusivamente por água subterrânea. Logo, a quantidade de água de um poço depende de sua recarga. Longos períodos de estiagem irão corresponder a uma menor disponibilidade hídrica subterrânea. Por outro lado, a qualidade da água subterrânea depende, em princípio, da interação com o material geológico que compõe o aqüífero e de possíveis alterações causadas pela introdução de compostos estranhos à sua composição: poluição. Ao contrário de rios e lagos, onde a poluição é imediata, pois o acesso à água é direto, nos aqüíferos a poluição é muito mais lenta, pois o fluxo das águas subterrâneas também é lento, tipicamente variando entre 1 metro por dia a 1 metro por ano. Nos aqüíferos, a água encontra-se mais abrigada tanto da evaporação quanto de potencial contaminação. Logo os aqüíferos são mais protegidos, mas não são imunes a contaminações e devem ser remediados (termo técnico) quando tiverem sua qualidade alterada. Inúmeras são as possibilidades de se poluir as águas em geral, e as águas subterrâneas em particular, mas o elemento poluidor mais onipresente é o esgoto doméstico. Como somos um país ainda mal servido pela coleta de esgotos, este infiltra-se no solo, indo eventualmente parar nos aqüíferos. Devemos nos lembrar que o problema água hoje é pauta mais por estarmos sujando a água que posteriormente iremos utilizar, do que pela sua escassez, uma vez que a quantidade de água do planeta é praticamente invariável. Esgoto doméstico é um vilão, sem dúvida. No Brasil temos uma tradição muito forte de uso de águas superficiais. Quando se fala em água, sempre são mencionados os mananciais de superfície: represas, lagos, rios, córregos. Entretanto, para surpresa de muitos, no Estado de São Paulo, o mais desenvolvido da federação, aproximadamente 50% dos municípios são abastecidos exclusivamente por águas subterrâneas. Sim, água de poço. Além disso, outros 25% são parcialmente abastecidos por águas subterrâneas. Somente 25% do total são abastecidos exclusivamente por águas superficiais. Parece paradoxal a água subterrânea ser sempre mencionada como fonte alternativa. Mesmo regiões áridas, como o nordeste brasileiro, dispõem de recursos hídricos subterrâneos que podem e devem ser utilizados. As águas nesses reservatórios podem apresentar uma maior dificuldade relativa para serem explotadas, afinal é preciso construir um poço. Entretanto, isso é um problema menor se comparado à qualidade superior da água, que vai requerer menor tratamento, quando isso for necessário. Ou ainda se considerarmos a distribuição de água subterrânea, muito mais otimizada, uma vez que os poços são localizados próximos aos consumidores. Temos na região Sudeste do Brasil o maior sistema aqüífero do mundo, o Sistema Aqüífero Guarani, que armazena um total de 45.000 km³ como reserva permanente, isto é, reserva que pode ser utilizada e que é recomposta pela infiltração das águas de chuva. Se lembrarmos que um cidadão precisa de 200 litros por dia, e que 1 km³ corresponde a 1 bilhão de litros... Bons poços no Guarani produzem mais de 400 milhões de litros por hora. Números fantásticos e animadores. Claro que nem todo aqüífero é o Guarani, assim como nem toda água superficial é um rio Amazonas. Mas há abundância no país e a gestão integrada dos recursos hídricos deve orientar o uso racional desta imensidão de recursos que o país dispõe. Nosso país deve orientar-se claramente pelo uso da água subterrânea em toda sua potencialidade. Os estados precisam estar equipados com leis adequadas para permitirem que técnicas corretas de perfuração de poços, de explotação de quantidades que não superem a capacidade de reposição de água pela recarga, enfim, de gestão correta do uso deste recurso, além de se equiparem para sua preservação, uma vez que o esgoto doméstico é o principal poluente potencial de nossos aqüíferos e é função do estado de fazer sua coleta. Água vai continuar a ser assunto, e as águas subterrâneas virão cada vez mais à superfície das discussões em torno do uso racional dos recursos hídricos. Nota do Editor: Everton de Oliveira é hidrogeólogo e presidente da ABAS - Associação Brasileira de Águas Subterrâneas.
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