| Arquivo CAR | | | | Ibis flechado. |
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A capacidade de adaptação das aves foi um dos fundamentos da lei da evolução de Charles Darwin. A da foto, mesmo com aquela flecha atravessada, estava sobrevivendo e graças ao empenho dos bombeiros, foi capturada e teve seu incomodo adorno retirado. Recentemente os biólogos estadunidenses Peter e Rosemary Grant conseguiram comprovar um deslocamento de caráter nos tentilhões da Ilha de Páscoa. A oferta de alimento foi reduzida drasticamente e em menos de um ano os tentilhões adaptaram os seus bicos para poderem continuar se alimentando com um outro tipo de semente. Interessante que esta adaptação ocorreu em menos de um ano, praticamente de uma geração para a outra. A velocidade com que os tentilhões reduziram o tamanho do bico está fascinando os cientistas. Porém, nem todas as espécies têm a mesma capacidade de adaptação e, muitas das vezes, uma simples mudança no ambiente pode significar o extermínio. Sempre me lembro de um amigo dos Pampas dizendo o quando eles respeitam uma árvore, a geografia dos pampas, aquele horizonte longínquo e monótono, quando é interrompida por uma teimosa árvore, é motivo de solenidade. Os portugueses chegaram no litoral sudeste do Brasil e encontraram esta imensa muralha que é a Serra do Mar, a derrubada das árvores tornou-se a celebração da conquista. Esta cultura de carpie diem esta incutida em nós até hoje. Tanto que o verbo carpir vem daquela expressão latina, associando o ganhar o dia com a limpeza e ocupação do terreno. É inconcebível para alguns engenheiros e arquitetos medianos, os mais contratados nas crises econômicas, a ocupação de um terreno sem a total devastação do lugar. Depois toca contratar alguém para arborizar novamente e esperar mais vinte ou trinta anos para conferir os resultados. Uma fórmula de desperdício de energia que comprovadamente estará nos levando ao extermínio. Já que a fórmula utilizada pelo homem não está dando resultados inteligentes, e as aves são as primeiras sinalizadoras da degradação de um ambiente, fico imaginando uma consulta às aves e a tradução técnica do que elas estão dizendo das ocupações que nós já impusemos ao ambiente: · Concentração de pardais indica ocupação humana; então aqui podemos adensar e melhorar a infra-estrutura. · Ausência de pardais significa ambiente preservado, então ocupações com casas com imensos jardins. · Presença de ave rara; aqui não se mexe e preserva como está até aumentar o número da espécie. Com certeza muita gente vai torcer o nariz. Para mim é só uma leitura diferente, pois vejo na flecha daquela foto a mesma agressão que o homem está impondo ao ambiente com os desenhos irracionais das nossas cidades.
Nota do Editor: Carlos Augusto Rizzo mora em Ubatuba desde 1980, sendo marceneiro e escritor. Como escritor, publicou "Vocabulário Tupi-guarani", "O Falar Caiçara" em parceria com João Barreto e "Checklist to Birdwatching". Montou uma pequena editora que vem publicando suas obras e as de outros autores.
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