Trata-se de uma nova proposta para o manejo pesqueiro. O objetivo é reverter grande parte dos prejuízos causados pelo "manejo monoespecífico", que se preocupa apenas com a espécie alvo da pesca
O Instituto Oceanográfico (IO) da USP está implementando uma alternativa para estudos sobre a pesca. Trata-se da "abordagem ecossistêmica", uma linha de pesquisa que irá analisar como a pesca altera o ecossistema, e vice-versa. Essa proposta avalia as populações de animais marinhos sujeitos à exploração como um todo, ao contrário do chamado "enfoque monoespecífico", que leva em conta apenas a espécie alvo da pesca. Essa nova modalidade de estudo teve início no IO em outubro de 2005, sob a coordenação da professora Maria de los Angeles Gasalla. Segundo a professora, cerca de 75% dos estoques pesqueiros do mundo estão comprometidos. "Isso mostra que há uma grande diminuição das populações de recursos pesqueiros, trazendo prejuízos ambientais, sociais e econômicos". Ela explica que o enfoque monoespecífico tradicional não leva em consideração os efeitos da pesca em determinados locais sobre as demais espécies (influências sobre a cadeia alimentar, por exemplo). "Há chances de que os prejuízos causados pelo manejo [gestão da pesca] monoespecífico não sejam revertidos", alerta. Maria conta que, no mundo, tem havido um aumento na aplicação da abordagem ecossistêmica, tanto em análises e estudos quanto no manejo da pesca. "Trata-se de algo relativamente novo em termos de implementação. Começou em fins da última década, com a experiência australiana. Atualmente vários países têm feito esforços para inserir esse tipo de abordagem na legislação e no manejo da pesca, com bons resultados iniciais. No Brasil, isso ainda não ocorre." Ela destaca que o impacto da sobrepesca e das alterações nos ecossistemas não é apenas ambiental, mas também sócio-econômico: a diminuição de determinadas populações de peixes acaba afetando as pessoas que vivem da pesca dessas espécies e, com isso, o mercado consumidor. Pesquisas no IO Em seu doutorado, concluído em 2004 na USP, Maria estudou os impactos da pesca sobre o ecossistema da plataforma sudeste do Brasil. Durante suas análises, além da modelagem do ecossistema pesqueiro e da simulação de diferentes cenários de pesca, ela entrevistou pescadores e concluiu que suas percepções sobre as alterações nos ecossistemas (lembranças sobre uma espécie que não é mais encontrada, por exemplo) têm grande utilidade para as pesquisas na área. "Propomos que o manejo seja adaptativo e cooperativo. Adaptativo porque é um processo de aprendizagem. Cooperativo porque deve ser feito em conjunto entre o setor pesqueiro, os órgãos de gestão e os cientistas." No recém-fundado Laboratório de Ecossistemas Pesqueiros (LabPesq) do IO, o objetivo é desenvolver metodologias e formas de análise para esse novo tipo de abordagem. "Os estudos tentam, primeiramente, resgatar e integrar o que se sabe a respeito de um dado ecossistema pesqueiro". As análises se concentram em um ecossistema de cada vez, tentando entender como seus elementos (fauna, flora, ambiente físico e frotas pesqueiras) interagem, para em seguida avaliar, por meio de modelos matemáticos, quais as possíveis ações a serem tomadas para evitar prejuízos. Inicialmente, os estudos devem se concentrar no ecossistema marinho que engloba as regiões Sudeste e Sul do Brasil. Como exemplos de ações para diminuir os prejuízos causados aos ecossistemas, Maria cita a criação de áreas marinhas pesqueiras protegidas, em que a pesca possa ser suspensa durante um certo período para permitir a recomposição das populações de peixes; a inserção de observadores a bordo das frotas pesqueiras; e medidas que facilitem o escape das espécies que não são alvo da pesca, mas que acabam sendo capturadas pelas redes.
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