Na música Sympathy for the Devil, dos Rolling Stones, Mick Jagger nos conduz a imaginar um diálogo com o capeta. Depois de apresentar-se de forma educada e descrever as suas façanhas em longos versos, Lúcifer, com sorriso matreiro, oferece um cumprimento e diz entender que você esteja surpreso; afinal qual é o propósito deste encontro? Imaginar a cena dá um friozinho na barriga. Esse friozinho ou o seu equivalente poético, borboletas no estômago, costuma representar uma moeda de troca que, como seria de esperar, possui duas faces. Uma é yin, o medo; e a outra é yang, a intuição. Quem é capaz de perceber a diferença entre esses dois processos de regulação no organismo tem o universo a seus pés. Medo e intuição não são predicados da mente psicopata; ela é muito fria para perceber essas coisas. Além disso, no cérebro, o psicopata é desprovido dos circuitos nervosos que decodificam as sensações de medo ou de sacadas. É necessário um indivíduo mais nervoso. Mas não muito; a pré-ocupação excessiva entope os mesmos sensores que precisam estar em leve devaneio para sentirem o friozinho ou as borboletas. Enfim, o intuitivo trafega por uma twilight zone, estado em que ele está ligado, pero no mucho. Quando sou convidado a explicar o funcionamento da intuição humana, quase sempre encontro alguém que, após a palestra e cessados os cumprimentos de praxe, se aproxima e com um tom de voz um pouco mais alto que um sussurro pergunta como afinal podemos ter certeza de que o que sentimos é intuição e não medo. Costumo responder que reconhecermos a presença da intuição como se um vagão parasse à sua frente na plataforma da estação em que só você está parado. Você embarca para encontrar a resposta para o seu dilema cuidadosamente elaborado ou vai deixá-lo seguir para fitar a fumaça diminuir no futuro que não mais lhe pertence? Aqui existem duas dificuldades. Uma é perceber a intuição. A outra é decidir se ela é genuína, confiável e embarcável. Essa dúvida pode ser resolvida em uma análise de poucos segundos antes do trem partir. Primeiro, medo é algo que se apoia sobre algo não resolvido do passado. A intuição, embora resolva uma situação sobre a qual você começou a pensar lá atrás, é uma vivência experimentada no tempo presente. O medo é cercado de carga emocional, a ansiedade; a intuição é neutra, leve. Mas o que realmente decide entre o receio e a sacada é a segurança ao entrar no jogo. E essa depende da qualidade dos seus sensores. Tomemos o exemplo dos corretores da Bolsa de Londres que toparam entrar em um estudo científico sobre a intuição utilizada nos processos de compra e venda de contratos futuros. Eles não são assalariados e seus ganhos pessoais são baseados em uma fração do lucro obtido com as transações. O mercado, diz o responsável pelo estudo, se encarrega de eliminar os maus intuitivos; os que permanecem, obtêm rendimentos na casa de 30 milhões de dólares anuais. Não há tons de cinza. Imagens cuidadosamente obtidas das áreas do cérebro que realizam operações matemáticas e avaliações de risco em corretores e não-corretores não mostraram diferenças. Os neurônios que cuidam de avaliar, comprar e vender são numerosos e rápidos num e noutro caso. Mas havia uma diferença. Quando os corretores foram perguntados sobre a facilidade para sentir borboletas, eles pareciam zootécnicos. Eles conhecem bem a sensação premonitória que os avisa que determinada operação será bem sucedida. E topam confiar nela. O estudo mostrou que quanto maior a percepção visceral das emoções dos corretores de futuros da bolsa londrina, maior o volume em suas contas-corrente. Intuição é viver instantes sobre uma corda bamba sem medo de cair. No fundo, não é complicado de fazer. Pense em algo que lhe agrada. Construa uma pergunta. Namore as respostas por algum tempo. Descarte as imperfeitas, uma a uma, sem dó. No dia em que uma ideia chegar feito um estalo que provoca um resfriamento na volta do umbigo, o momento da verdade chegou. Vá com ela. Nota do Editor: Dr. Martin Portner (www.martinportner.com.br) é médico neurologista, mestre em Neurociência pela Universidade de Oxford e especialista em Mindfulness. Há mais de 30 anos divide suas habilidades entre atendimentos clínicos e palestras, treinamentos e workshops sobre sabedoria, criatividade e mindfulness.
|