A prática de se expor a altos níveis de pressão sonora nas grandes cidades, em ambientes de trabalho e lazer pode ocasionar lesões auditivas irreversíveis além de gerar um vício semelhante ao do cigarro ou drogas em geral.
A poluição sonora é mais uma das agressões ao meio ambiente, oriunda dos novos tempos. Desde a infância, somos expostos a altos níveis de ruídos, provocando comprovadamente e, cada vez mais precoce, perdas auditivas, vertigens, labirintites, e outras lesões do gênero. "A perda auditiva é uma doença insidiosa decorrente do acúmulo de exposições a ruído que, com o passar dos anos, pode evoluir gerando uma lesão auditiva irreversível chegando a níveis nos quais a capacidade auditiva ou assim chamada audição social estará seriamente comprometida," diz a fonoaudióloga e professora Alice Penna coordenadora dos cursos de Audiologia do CEFAC - Centro de Especialização em Fonoaudiologia Clínica. Estudos e análises demonstram que locais como casas noturnas, bares, cinemas chegam a atingir níveis de ruído de até 125 dB(A). O limite de tolerância de ruído estipulado pela NR-15 da Portaria 3214/78 para trabalhadores que se expõem a ruído é de 85 dB(A), por 8 horas de trabalho. Pessoas expostas a níveis equivalentes a 115 dB (A) pela mesma NR só podem permanecer neste ambiente por 7 minutos e meio. Segundo a especialista, os efeitos de sons elevados atuam no organismo como uma droga, que, além de viciar, podem ocasionar reações neuropsíquicas como ansiedade, depressão, inquietude, desconfiança, pessimismo, alteração do ritmo sono-vigília. Pesquisas em andamento apontam para os danos da poluição sonora nos déficits de atenção e memória; e nas funções cerebrais superiores. Pesquisa com garçons Um estudo realizado no Centro de Especialização em Fonoaudiologia Clínica (CEFAC) com 100 garçons de casas noturnas e 100 clientes das mesmas mostrou o oposto do que se esperava: enquanto para a maioria dos funcionários o som elevado propiciava prazer e fazia com que permanecessem estimulados para enfrentar a noite de trabalho (que em geral já era sua segunda jornada), para a maioria dos clientes aquele local estaria melhor se o som estivesse mais baixo propiciando uma conversa sem tanto esforço. Isso mostra que já existe uma tendência da sociedade em repensar esses hábitos sonoros que se tornaram "moda" e reagir às agressões auditivas que tem sofrido nas últimas duas décadas. Apesar das descobertas, a questão do ruído tem sido de difícil enfrentamento, pois se tornou um hábito socialmente aceitável e desejável. Estar em um cinema com som estereofônico, elevadíssimo faz o indivíduo sentir-se dentro do filme como um co-protagonista. Pular no carnaval atrás do trio elétrico madrugada adentro, faz o indivíduo necessitar de algum estimulante para não se deixar abater pelo cansaço. É quase certo que a combinação de álcool, drogas e som elevado podem deixá-lo fora de si, ou vivenciar sensações diferentes. "Da mesma forma que o cigarro na década de 70 tinha uma conotação de poder e até sensualidade, coincidindo com o movimento de liberação feminista, hoje a sociedade já reage de forma diferente e os fumantes já não são vistos como antigamente. Mas foram necessárias três décadas de campanhas esclarecedoras" compara Penna. "Essa estética dos sons elevados segue o mesmo rumo dos tabagistas. Nota-se um início de conscientização social que, em alguns anos, deve se segmentar" prognostica a especialista. Fonte: Alice Penna é mestre e doutoranda em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP), e coordenadora dos cursos de Audiologia do CEFAC - Centro de Especialização em Fonoaudiologia Clínica, autora do livro Audiologia Ocupacional.
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