Há muito que as novelas brasileiras deixaram de ser unicamente entretenimento para serem fonte de informação, conhecimento e reflexão. É a TV cumprindo com maturidade a função social de trazer para a "sala" de milhares de pessoas assuntos antes restritos aos meios acadêmicos e por isso mesmo ignorados pelo grande público. Em passado recente temas como alcoolismo, dependência química, doença de Alzsheimer, leucemia, transplantes de órgãos entre outros, foram decisivos para que muitas pessoas tivessem suas vidas transformadas pela simples possibilidade de buscarem ajuda precoce para doenças antes "incuráveis" em função da demora de se estabelecer um diagnóstico acertado e um tratamento adequado para as mesmas. Atualmente na novela América, a atriz Christiane Torloni, vive a personagem Haydée, uma cleptomaníaca. Tal qual a atriz Winona Ryder (está infelizmente na vida real), a personagem Haydée também socialmente abastada não precisaria furtar nenhum objeto em qualquer loja ou em residência de conhecidos, isto pelo simples fato de ambas poderem comprar tudo o que o desejo mais insólito possa querer. E então por que essas mulheres fazem isso? Por causa da cleptomania. A cleptomania é a compulsão de furtar objetos nos mais diversos locais ou ocasiões. A pessoa pode praticar os furtos em lojas de departamentos, casas de parentes ou bancas de jornais. Tal qual ocorre no jogo patológico, a pessoa sente uma tensão crescente antes de cometer o furto e no momento do ato em si, é tomada por uma sensação de prazer, alívio e gratificação. É interessante destacar que o cleptomaníaco não furta para acumular bens, enriquecer ou mesmo se vingar de alguém. Ele tem plena consciência do que está fazendo não é correto nem, na maioria das vezes, necessário, e por isso se sente culpado e com remorso. A vergonha que essas pessoas sentem faz com que elas escondam seu problema de todos ao seu redor. Este fato contribui para que tenhamos poucas estatísticas que indiquem a real freqüência deste transtorno na população em geral. No entanto, sabemos que ela é mais comum entre mulheres e seu início costuma ocorrer na adolescência ou no começo da vida adulta. Como outras alterações em que o impulso toma forma de compulsão na busca do prazer atravessando a ponte perigosa chamada RISCO, os cleptomaníacos precisam de ajuda terapêutica especializada para quebrar esse ciclo que acaba por trazer mais dor do que prazer de fato. Essa terapêutica consiste na combinação sinérgica de medicamentos anti-compulsivos e psicoterapia cognitivo comportamental e tem por objetivo controlar a compulsão pelo furto e refazer conceitos e comportamentos do paciente sobre o que ele vivencia como "prazer". Afinal, se pararmos para pensar bem, o único prazer que é real, e por isso mesmo indolor, é o prazer de ser quem somos com as dores e as delícias dessa intransferível experiência. Com a cleptomaníaca Haydée na tela da TV, esperamos que fique no "ar" e na mente das pessoas o "saber" deste transtorno do comportamento, pois só o saber tem o poder de transformar a vida das pessoas que sofrem e fazem outros sofrerem. Nota do Editor: Ana Beatriz Barbosa Silva é, médica formada pela UFRJ, com pós-graduação em Psiquiatria pela UFRJ e especialização em Medicina do Comportamento pela Universidade de Chicago, Estados Unidos.
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