A renúncia de Ricardo Teixeira ao cargo de presidente da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) reavivou os debates sobre criação de uma liga profissional para a organização do Campeonato Brasileiro. Com a queda do ex-mandatário, clubes, dirigentes e federações estaduais dissidentes passaram a costurar alianças políticas cuja prioridade seria a reformulação da principal competição nacional: sete dos vinte participantes da Série A em 2012 (Grêmio, Figueirense, Bahia, Portuguesa, Santos, Atlético-MG e Atlético-GO) já seriam abertamente favoráveis à reformulação do futebol brasileiro; no Rio de Janeiro, dirigentes dos grandes clubes já conversariam sobre uma agenda de reivindicações para a criação de uma nova liga. Se no exterior as ligas são uma realidade (os principais campeonatos de Inglaterra, Espanha, Itália, Alemanha, França e Portugal, entre outros países, não são organizados pelas federações), no Brasil o tema andou esquecido desde 2000, ano da Copa João Havelange, até voltar à tona em 2011, no momento da última negociação dos direitos de transmissão. A legislação brasileira, no entanto, como consta no artigo 20 da Lei Pelé, autoriza expressamente a organização de ligas regionais ou nacionais por parte dos clubes e, além disso, proíbe a intervenção das federações em ligas que se mantiverem independentes. Cabe apenas às ligas decidir pela vinculação ou não às entidades de administração do esporte. A única exigência legal imposta aos clubes organizadores de ligas é a comunicação da criação destas às federações. Em outros termos, basta tão somente querer para subverter a ordem vigente no futebol brasileiro, desde que respeitados os limites fixados por outra norma. A Lei Pelé garante a liberdade de organização, mas o Estatuto do Torcedor veda a realização de ligas à norte-americana. Nos Estados Unidos, as entidades de prática esportiva são franquias, a competição é, em regra, fechada a novos participantes e o campeão é definido após disputa de playoffs (partidas eliminatórias entre os melhores da fase de classificação). Além de exigir a realização de ao menos um campeonato anual por pontos corridos - com o calendário pré-estabelecido, todos jogam contra todos e não há final -, a lei 10.671/2003 trata como direito do torcedor a observância do critério técnico na determinação dos participantes: “habilitação do clube em razão de colocação obtida na competição anterior”. Os convites são expressamente vedados e deve prevalecer o mérito esportivo: o sistema de acesso e descenso têm status de princípio. Ou seja, nenhum clube pode ter privilégios ou lugar cativo em disputa oficial, como já ocorreu no Brasil em 1987 (Módulos Verde, Amarelo, Azul e Branco) e em 2000 (Copa João Havelange): formalmente, todos devem ter chances de aceder aos principais certames, independentemente de nome ou poder político-econômico. Do exposto anteriormente, podemos concluir que o único formato de liga legalmente viável no Brasil é o inspirado no modelo europeu. A principal novidade das ligas abertas nacionais não estaria, portanto, na forma de disputa, que se assemelha ao sistema do atual Campeonato Brasileiro, instituído em 2003, mas na titularidade do poder de gestão. O que não é pouco, se levadas em conta as queixas recentes de jornalistas, torcedores e alguns dirigentes sobre a forma como a CBF vem tratando o futebol nacional. Nota do Editor: Jean Nicolau é líder do setor de Direito Desportivo do escritório Mascaro Nascimento; graduado em Direito pela Universidade de São Paulo, em jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero e pós-graduado em Direito Internacional pela Universidade Paris 1 Panthéon-Sorbonne.
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