Picinguaba - Dados históricos
A historiadora Julita Scarano, atendendo a solicitação do Diretor Técnico do CONDEPHAAT, apresenta às folhas numeradas de 110 a 118 do Processo de Tombamento dos aglomerados urbanos de Bonete, Picinguaba e Icapara (1976), os seguintes dados históricos:
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"Anos atrás, descrevendo as habitações caiçaras, Léia Quintière assinalou que elas tem frente geralmente voltada para o mar ou para os caminhos utilizados pelas mulheres para buscar a água que brota além dos mangues. Eram feitas de pau-a-pique, com telhados de duas águas cobertos de sapé ou de folhagem, chão de terra batida, poucas janelas e com parede central separando um ou dois compartimentos. Os objetos de uso e aqueles necessários à pesca eram guardados em comum e quanto à cozinha dessas casas, ela se localizava ao fundo da habitação ou em puxado lateral, também de duas águas.
Seguindo nesse e em inúmeros outros aspectos a tradição indígena, o caiçara abandonava sua frágil casa tão logo ela se estragasse. Daí a facilidade em utilizar novos materiais, como é o caso do bloco, que substitui muitas das casas que antes eram erguidas de pau-a-pique. Hoje em dia, é quantitativamente significativa essa substituição, conforme podemos aferir pelos mapas apresentados nos processos. O maior contato com outras comunidades influiu nesse sentido.
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Foto: Arquivo UbaWeb | | Foto: Arquivo UbaWeb |
O tipo de pesca praticado também sofreu modificações. Passou-se de uma pesca de tipo artesanal, realizado por indivíduos ou pequenos grupos da comunidade, para um tipo de pesca em larga escala, sob o comando de companhias pesqueiras, usando métodos muito mais predatórios. De resto, depois dos anos trinta de nosso século, a tainha, um dos peixes mais procurados tornou-se muito mais rara.
Apesar das mudanças sofridas, estas comunidades caiçaras mantém a repartição de terras, as características do estabelecimento e dos antigos caminhos, conservando em parte, o tradicional gênero de vida.
Pelas circunstâncias que lhes são próprias, o estudo dessas comunidades, feito em profundidade, tais como as pesquisas realizadas para teses de qualquer grau ou outras de igual teor possibilitaria a obtenção de informações sobre essas populações desfavorecidas, à margem daquilo que é comumente chamado de 'história de São Paulo'. Populações que receberam o reflexo do desenvolvimento econômico paulista, sem ser frontalmente atingidas por ele. Quase até nossos dias permaneceram alheias a ele e às mudanças decorrentes.
Essa História das camadas carentes, 'sem história' poderia ser realizada de inúmeras maneiras, utilizando diferentes metodologias, tais como as de história serial, quantitativa ou demografia histórica. Entretanto, apenas quando for encontrado e analisado o material suficiente para uma clivagem profunda a respeito dessas comunidades haverá possibilidade de se escolher o melhor método.
No momento, o que apresenta maior interesse são as questões que se referem à preservação e ao tombamento dessas unidades de habitação".
"Apesar da intensa movimentação turística e especulação imobiliária, Picinguaba foi considerada um dos últimos redutos do litoral paulista a conservar tradições caiçaras no eixo da estrada Rio-Santos. Essa praia foi incorporada ao Município de Ubatuba pelo Decreto Lei nº 14.334, de 1944, mas já está ligada a essa vila desde épocas anteriores. Tanto a 'praia de Picinguaba' como o 'lugar denominado Picinguaba' são mencionados constantemente na documentação posterior a 1855 e essa dupla denominação demonstra que também a região montanhosa via-se abrangida.
A. C. Metcalf, que escreveu tese sobre a população de Ubatuba no Século XVIII, verificou a existência de pequenas e médias fazendas por toda a região, empenhadas no cultivo sobretudo de produtos de subsistência. Segundo essa autora, com uma população escrava que atingia ¼ do total, o município de Ubatuba cultivava mandioca, milho e feijão e em 1798 verificou-se que 70% da população era constituída por agricultores. Não se menciona especialmente Picinguaba, mas os agricultores da região de Ubatuba vendiam seus produtos 'serra acima' e principalmente a mandioca era enviada às tropas aquarteladas em São Paulo.
Portanto, o comércio naquele momento se fazia basicamente com o interior, padrão que será em parte modificado quando se tornou mais ativo o comércio litorâneo.
Apesar de este trabalho não tratar especificamente de Picinguaba, ele buscou os padrões mais gerais à região como um todo. Enfatiza sobretudo questões referentes à predominância masculina, de resto como em quase todo o país, mostrando que os homens podiam fazer valer os seus direitos e repartiam de tal maneira a herança para que o filho mais velho continuasse como chefe do clã, mesmo que sua superioridade fosse sobretudo moral.
Nas proximidades de Picinguaba, na região de morros, desde o século XVIII havia engenhos de açúcar. Uma propriedade conhecida como 'A Fazenda' possuía capela com altar e inúmeros santos que foram perdidos há relativamente pouco tempo. De resto, mesmo a casa de morada da propriedade foi modificada e suas telhas originais foram substituídas. As telhas antigas foram em parte usadas pelos moradores de Picinguaba que com elas cobriram suas casas.
Desde as primeiras décadas do século XIX Picinguaba consta da lista dos bairros que faziam parte da 3ª Companhia de Ordenanças de Ubatuba. Naquele momento, os bairros mais populosos do município eram os que faziam parte da 2ª e da 3ª Companhias e seus habitantes se dedicavam sobretudo à agricultura, havendo os lavradores, os proprietários de fazendas, antes de cana e logo depois de café. Nesse tempo, as áreas mais prósperas do município eram as dessas companhias. Em outros pontos, mais tarde, se desenvolveu o comércio.
Coincidindo com a época de prosperidade do município, ou seja em meados do século XIX, há grande distribuição de sesmarias, tanto em Picinguaba como nos bairros vizinhos. Algumas delas são explicitamente chamadas de 'fazendas', o que vem mostrar sua ligação com a expansão cafeeira, apesar de que o cultivo da cana havia sido e continuava significativo. De fato, inúmeros engenhos, na maioria engenhocas existiam no lugar. Ao lado dessa produção agrícola, a pesca também manteve sua importância, com o produto consumido na região, enviado 'serra acima' e às vezes em canoas para Santos e Rio de Janeiro, como também os demais produtos.
Até 1930, como em outros pontos do litoral paulista, a pesca foi significativa em Picinguaba. Dentre as canoas de rede, ali haviam oito, número igual ao de Ubatuba e superior ao de Ubatumirim (cinco) e mais ainda a Bonete (duas). Juntamente com Ilha Anchieta, Picinguaba era a grande pescadora de tainhas e a média anual de ambas chegava a mais de cinqüenta mil peixes.
A atividade pesqueira ocupava a população durante o ano todo, uma vez que, na época em que o peixe era escasso os pescadores se dedicavam ao preparo do material pesqueiro e outras atividades afins. Também as mulheres se ocupavam com a pesca, abrindo os peixes, retirando suas vísceras para depois salgá-lo.
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Foto: Arquivo UbaWeb | | Foto: Arquivo UbaWeb |
Entretanto, toda a região ubatubense foi afetada pelo processo de decadência econômica e seus reflexos se fazem sentir no crescimento populacional negativo que afetou o Município. Depois da década de trinta há predominância de população feminina, indicando que os rapazes procuravam trabalho em outras áreas. É difícil dizer até que ponto essas questões afetaram Picinguaba. Segundo o Censo de 1950 a vila possuía 290 habitantes e o fabrico de farinha de mandioca, bem como a pesca constituíam as atividades dos habitantes".
FONTE | Gilmar Rodrigues da Rocha - Uso do Solo na Vila de Picinguaba - Ubatuba - SP |
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