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COLUNISTA
Carlos Rizzo
16/03/2004 - 18h08
Parapsicologia operária
 
 

Para quem imagina que uma oficina de marcenaria é somente lugar de trabalhos e prestações de serviços em madeira, devo alertar que está enganado. Uma oficina de marcenaria é também um grande laboratório, próprio para pesquisas parapsicológicas.

Não entendo o estardalhaço que a televisão faz quando aparece alguém entortando colheres ou gritando RA! para manifestar seus poderes. Na minha oficina convivo diariamente com manifestações fenomenológicas paranormais, e os meus funcionários agem com a maior naturalidade.

Telecinesia, você já ouviu falar, é o movimento de objetos a distância, sem o contato manual. Na minha marcenaria acontece todo o dia. Sempre que encontro uma ferramenta fora do lugar, pergunto quem a deixou lá, e a explicação de todos é sempre a mesma: "ela já estava lá quando chegamos".

A madeira é comburente, e sua serragem é mais suscetível ao fogo. Associado a pirogênese, que é o surgimento espontâneo de fogo e pode ser provocado pela telecinergia de algum dotado, o risco de fogo espontâneo na marcenaria é diário. Quando vejo uma fumaça, corro apagar. Quando mostro a bituca de cigarro encontrado no local do princípio de fogo: "Ninguém fuma durante o expediente" - me respondem.

Transmutação espontânea de energia. É quando um funcionário liga uma máquina de 110 volts, numa tomada de 220 volts. "Tenho certeza que liguei no 110, alguma coisa estranha aconteceu" - é a resposta que sempre ouço.

Quando chego numa obra onde deixei um funcionário fazendo instalações e o encontro no bar da esquina, logo pergunto o que ele está fazendo lá no bar e não na obra. Eles sempre me respondem: "Mas eu estou na obra". Se isto não é bilocação corpórea a parapsicologia deverá ser rediscutida. Eles afirmam com tanta convicção que estão no lugar que deveriam estar e não no lugar que estou vendo que eles estão, que eu fico totalmente confuso. Como não sou dotado desta capacidade de estar em dois lugares ao mesmo tempo, não tenho como tirar minhas dúvidas.

No último dia do prazo de entrega, depois de uma noite inteira procurando sem sucesso, em todos os cantos, em todas as pastas aquele documento para anexar na declaração de IR, pergunto logo cedo para a secretária que em segundos vem com a solução: "Estava bem em cima da sua mesa" - e nega com veemência que seja materialização plasmática.

Xenoglossia é o emprego de línguas estrangeiras por quem jamais aprendeu qualquer língua estrangeira. "A rebimbola da parafuseta espanou na tarraqueta que ficou cegueta, a mesa está perneta, mas o serviço está porreta". Se isto não é xenocognição, alguma coisa está errada.

Mando desligar o rádio depois de ouvir uma ruidosa comemoração de gol em pleno horário de serviço. A resposta que me vem rapidamente é que não há nenhum rádio ligado e ninguém comemorou nenhum gol durante o horário de serviço. Se isto não é psicofonia, que é a conversa com os espíritos, não sei mais nada de parapsicologia.

Quando a conta de telefone vem altíssima, com interurbanos longos, efetuados para cidades com nomes estranhos, mas que, coincidentemente, são as cidades natais de cada um dos funcionários, e eles ainda garantem uníssonos: "A gente só liga com a sua autorização" - concluo que seja um caso raro de psicofonia aliado a telecinesia.

Para não endoidar de vez, às vezes penso em agregar valores à minha atividade comercial, talvez ganhe mais dinheiro sendo atração paranormal num programa de televisão.


Nota do Editor: Carlos Augusto Rizzo mora em Ubatuba desde 1980, sendo marceneiro e escritor. Como escritor, publicou "Vocabulário Tupi-guarani", "O Falar Caiçara" em parceria com João Barreto e "Checklist to Birdwatching". Montou uma pequena editora que vem publicando suas obras e as de outros autores.
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