Pesquisa resgata obra de compositor pouco lembrado que, além de consolidar o formato da canção na música brasileira, se preocupou com composições regionais e fez hinos para a revolução constitucionalista de 1932
Esquecidas nos dias de hoje, apesar de seu sucesso no início do século passado, as músicas de Marcello Tupynambá acabam de ser resgatadas. O produtor musical e bisneto do músico, Marcelo Tupinambá Leandro, pesquisou a obra do compositor a partir de mais de 200 partituras editadas, das quais 120 ainda inéditas. A dissertação de mestrado apresentada na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, apresenta a trajetória das composições e as críticas de modernistas, como Mário de Andrade, e mostra como Tupynambá ajudou a consolidar a canção brasileira na música do País. Leandro dividiu a obra em três partes, que correspondem a diferentes períodos históricos e de composição. O primeiro momento abrange a década de 1910 e trata da divulgação das canções de Tupynambá no teatro musicado, nos cafés, no carnaval, nas salas de espera dos cinemas e nas apresentações dos filmes mudos. A obra do compositor ficou marcada por apresentar uma constante rítmica diferente, "um balanço pouco comum", nas palavras de Mário de Andrade. Ele preocupava-se com a música regional para aproximar-se do povo, "as modas e toadas do interior eram recriadas numa versão estilizada para voz e piano", ressalta Leandro. Com melodias simples e letras inspiradas em assuntos do cotidiano, suas músicas agradariam aos modernistas que valorizavam esse resgate do genuinamente nacional. Afastamento No início da década seguinte, 1920, entretanto, Tupynambá se afasta da composição. Forma-se engenheiro pela Escola Politécnica de São Paulo e vai trabalhar no interior do Estado com construção civil. Porém, algum tempo depois, perde 90% da visão e acaba retornando a São Paulo e ao trabalho com a música. Essa volta vai marcar uma mudança em seu estilo de composição. Para fazer frente às canções francesas e italianas cultuadas pela elite, ele desenvolve um estilo nacional mais elaborado. Essa música que Tupynambá chama de Canção Brasileira vai inspirar-se nos versos de poetas nacionais. As Canções Brasileiras fizeram sucesso nos salões freqüentados pela elite, sendo classificadas por alguns jornais como "fina arte". A mudança está na contramão da Semana de Arte Moderna, e, entre os modernistas, as críticas são muitas, porque eles não consideram essas canções muito "brasileiras", nem populares. Apesar disso, vários dos poemas musicados são de modernistas. Segundo Leandro, Tupynambá ajudou a construir o formato da música brasileira conhecida como canção, com refrão. "As músicas eram mais instrumentais e maiores", lembra. Ainda na década de 1920, ele assume a função de diretor artístico nas rádios Educadora e Record, além de escrever crítica musical para os jornais O Dia e Folha da Manhã. Na década seguinte, Tupynambá participa da Revolução Constitucionalista de 1932 e compõe hinos militares que são cantados nas trincheiras e tocados nas rádios. Pela música O passo do soldado, que tem letra de Guilherme Almeida, Tupynambá acaba sendo preso por três dias. É a partir desse período também que ele volta a compor músicas mais populares e comerciais. "Com Getúlio Vargas, há uma institucionalização dessa música mais coloquial para as rádios e Tupynambá, como comunicador que era, estava atento a esses novos espaços", explica Leandro. Em vida, Tupynambá nunca deixou de ser reconhecido. Em 1950, três anos antes de sua morte, o jornalista Assis Chateaubriand encomenda a ele o Hino à TV, que foi cantado por Lolita Rodrigues na primeira transmissão da televisão brasileira. Para Leandro é preciso resgatar também músicas de outros compositores que estão esquecidos. "Tupynambá deve aparecer ao lado de Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazaré, por exemplo. Todos contribuíram para consolidar a canção brasileira como música nacional por excelência", afirma.
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