Como Macunaíma, o herói do romance homônimo de Mario de Andrade, que, ao chegar em São Paulo vindo do fundo do mato virgem, chamava elevador de sagüi-açu, os viajantes chineses descobriram o ocidente no final de 1800, chamavam o mesmo elevador de "quarto semovente". Torneiras para eles eram, com toda singeleza, pequenas cabeças de dragão. Só que o povo do império do meio se acredita o umbigo do mundo. O resto era, por assim dizer, o seu bumbum, periferia, terra de bárbaros, incapaz de despertar-lhes o interesse. Nós do ocidente começamos a nos abastecer dos chineses com Marco Pólo (1254 - 1364) que nos enriqueceu com mais folclore do que fatos e depois John Mandeville (1322 - 1372) que nos presenteou com mais fatos e menos histórias. As idas dos ocidentais, depois de Cristóvão Colombo, tornaram-se muito mais freqüentes destoando radicalmente do desinteresse contrário, a ponto de qualquer excursão de chineses ao ocidente ser expressamente proibida pelo imperador chinês. Até que um dia, movidos pelas conseqüências da Guerra do ópio (a Inglaterra impôs pela força a introdução dessa droga na China) e por necessidades diplomáticas, os chineses partiram em viagens de reconhecimento para o ocidente. A primeira foi em 1866. Quase quinhentos anos depois de Marco Pólo. Um grupo de observadores foi autorizado a conhecer o Ocidente e vieram justamente no período que se convencionou chamar de "Belle Époque". É fácil imaginar o grande contraste com que se depararam os chineses, no entanto, denotaram grande abertura de espírito, curiosidade e tolerância nos relatos elaborados para o Imperador. Só por curiosidade destaquei algumas: A corte chinesa se orgulha de reduzir impostos e taxas. As imposições arbitrárias e aumentos abusivos não repugnam os administradores ocidentais. Em terra chinesa lava-se as mãos e o rosto após as refeições. Na China, o negro é a cor que caracteriza as profissões vis, no ocidente é a roupa de cerimônia. O branco é a cor do luto e o vermelho a do casamento e da alegria. Na china os meios de ação dos advogados são limitados por proibições explícitas. Não há lugar pior do que as celas das prisões chinesas, onde não se pode nem sentar nem deitar; no Ocidente, as prisões são mais confortáveis do que muitas casas particulares. Dá-se uma grande importância, na China, ao papel que contém a escrita; em toda parte recomenda-se às pessoas tratá-lo com respeito. No extremo ocidente, é um material dos mais vis e serve com freqüência para limpar-se quando se satisfez uma necessidade muito premente. A separação entre os homens e as mulheres é bem nítida na China: eles não utilizariam o mesmo cabide. No extremo ocidente, eles usam a mesma bacia para se lavarem, as mesmas latrinas para satisfazerem suas necessidades. Na China não se lava os pés no recipiente que serviu para lavar o rosto, não se limpa o traseiro com a toalha reservada para as mãos. No ocidente, os mesmos vasos, as mesmas toalhas servem para tudo. Na China, não se fala na hora de comer; os tagarelas se ridicularizam. No Ocidente é preciso falar durante as refeições, senão pensam que você está doente. Os chineses descascam legumes ou frutas com a lamina da faca virada para fora; no Ocidente ela é virada no sentido de quem corta. Para contar nos dedos, os chineses os encolhem, enquanto que os ocidentais, os esticam. Talvez, fruto das fantasias juvenis lendo as histórias das viagens de Marco Pólo, ou pelos cinco anos de convivência estreita com os chineses, tenho uma admiração muito grande por este povo. Por isso aguardo o relato da viagem do Presidente ao centro do mundo. Considerando o fiasco do "urânio" temo que não venha boa coisa. Uma última, em qualquer comitiva oficial chinesa a pessoa que decide tudo, aquela que tem a palavra final, é sempre a que menos fala. Será que os chineses vão descobrir quem manda no Brasil?
Nota do Editor: Carlos Augusto Rizzo mora em Ubatuba desde 1980, sendo marceneiro e escritor. Como escritor, publicou "Vocabulário Tupi-guarani", "O Falar Caiçara" em parceria com João Barreto e "Checklist to Birdwatching". Montou uma pequena editora que vem publicando suas obras e as de outros autores.
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