Todos sabem muito bem que Montesquieu propôs a divisão tripartite do poder como uma forma de minimizar os estragos que a concentração do mesmo pode causar. Esteja o poder centralizado ou repartido, ele está sempre presente nas mãos de poucos que, apesar do sistema de pesos e contrapesos, essa minoria frequentemente acaba encontrando um caminho para burlar as limitações que lhes são impostas para impor a sua vontade sobre a sociedade e, mediante conchavos e acertos, manter aquela sensação marota de equilíbrio junto ao corpo social. Estes poderes, formalmente divididos, procuram conviver em uma relativa harmonia, edificada por intermédio de conluios e mancomunações pra lá de republicanas, para que todos - largados, pelados e togados - possam realizar o que julgarem necessário para a manutenção da instituição dos ovos de ouro. E no frigir dos ovos, e dos votos, tudo isso acaba sendo apenas uma encenação burlesca de democracia para sentirmo-nos como bons coadjuvantes, no papel de cidadãos bonzinhos. Agora, se a sociedade civil procurar atuar, de forma livre e responsável, para pressionar esses poderes constituídos, através das instituições sociais intermediárias existentes - entre o Estado e a sociedade - como Igrejas, sindicatos, associações, confrarias etc., o jogo do poder fica bem diferente. Não apenas isso. Se junto aos poderes constituídos, e ao largo das instituições intermediárias, tivermos a presença atenta dos indivíduos que, sem temor nem tremor, manifestam-se e pressionam os donos do poder, aí sim, meu caro Watson, o carteado democrático ganha outro tom. Não digo que, com isso, todos os males que atormentam a sociedade serão extirpados. Nada disso. Repito apenas aquilo que a muito fora dito por Paulo Francis, que afirmava que a única coisa que faz os donos do poder se conter é o bafo quente do povo em suas nucas. Trocando em miúdos: sem o hálito febril dessa fera indômita, a divisão dos poderes, proposta por Montesquieu, não passará de uma opereta bufa de mau gosto. De muito mau gosto.
Nota do Editor: Dartagnan da Silva Zanela é professor e ensaísta. Autor dos livros: Sofia Perennis, O Ponto Arquimédico, A Boa Luta, In Foro Conscientiae e Nas Mãos de Cronos - ensaios sociológicos; mantém o site Falsum committit, qui verum tacet.
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