A exemplificação de resistência do Quilombo dos Palmares, que reuniu mais de vinte mil negros, no Estado de Alagoas, correu mundo entre os escravizados no mercado do trabalho e junto aos senhores de engenho e donos de grandes fazendas ou latifúndios. Uns quilombos se organizaram para a luta armada e outros com a finalidade de se esconderem em lugares esmos e inacessíveis. Era o século XVI, quando esse movimento se originou. O próprio Quilombo dos Palmares, espelho para os demais quilombos, iniciou-se propriamente a partir de 1597; tornou-se conhecido e sua crescente fama passou de ouvido a ouvido, nos sussurros das senzalas e temido nos alpendres das “casas grandes”. Formavam aldeias, tais quais as estruturas das pequenas comunidades que lhes foram ensinadas em Angola, em Moçambique, ou onde tivessem sido capturados para o desumano tráfico de mão de obra, promovido por portugueses e alguns outros europeus. Aqui eram submetidos ao trabalho forçado ou escravo nos rudes serviços do campo ou até mesmo na mineração, conforme suas habilidades. Enfim, transformados em escravos, sem alguma compensação remunerativa, tivessem sido eles reis, príncipes, nobres, sacerdotes, curandeiros ou destacados líderes políticos nas suas comunidades. Na Paraíba, isso muito aconteceu, daí haver, remanescentes, mais de 42 populações, espalhadas do sertão ao litoral, de africanos e afrodescendentes, antes da abolição da escravatura, quando já muitos negros e negras tinham se libertado desse jugo. Somente as crianças atuais não desfrutam em casa, da mãe ou da tia, de uma contadora de contos e histórias de trancoso, tirando-lhes valores morais ou história. Dona Jovelina, hoje aos 88 anos, na poltrona da sua casa, lá na Serra do Talhado, às vésperas do II Festival de Cultura Quilombola, relembrou-nos isso, quando narrou sua ancestralidade, resultando famílias naquele Quilombo. Tem ela, na pessoa quase mítica de Zé Bento, o protagonista dessa história. Caminhou ele, carregando, sob o Sol causticante, uns poucos utensílios para a sobrevivência, tais quais as cenas do famoso filme Aruanda, de Linduarte Noronha, fugindo das terras do Piauí, para se livrar do trabalho escravo, sem destino. Caminhar, fugindo, é como não se tivesse um lugar para parar. E assim vagou, subindo, descendo e subindo serra. E quando parou, foi na Serra do Talhado, onde multiplicou com a louceira “Mãe Cizia” vários familiares, no então Quilombo. Fez certamente como Moisés, retirando o seu povo do Egito à terra prometida, libertando-o da opressão. E lá chegando, bateu as sandálias para tirar o pó dos passados caminhos e pisar dignamente na terra sagrada da libertação. E também assim se deu com todos os quilombos, garantidos como sítios conquistados pela Constituição de 1988. O Quilombo de Zé Bento, lá na Serra do Talhado, é uma terra sagrada, símbolo de luta. É como depois poetizou Augusto dos Anjos, essa cultura pela força da negritude: “Nesses braços de força soberana / Gloriosamente à luz do sol desnudos / Ao bruto encontro dos serrões agudos / Gemeu por muito tempo a alma africana!”
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