O Governo do Estado, em seu programa cultural, vem cumprindo as realizações dos festivais de cultura quilombola, cigana e indígena, sendo exemplo, para o restante do país, de que essas existem e subsistem, sobretudo nos seus espaços de outrora, de defesa e de luta, como exatamente eram topologicamente os então esconderijos aos fugitivos da opressão. Lugarejos ermos e de difícil acesso nas montanhas, como são o caso do Quilombo Serra da Caiana, onde se realizou o I Festival de Cultura Quilombola, no Município de Alagoa Grande. E agora, quando, realizar-se-á, em Santa Luzia, mais precisamente, na Serra do Talhado, o II Festival de Cultura Quilombola. Assim, a Paraíba se destaca, culturalmente, em cumprir, como resgate, parte da nossa dívida coletiva à matriz africana, cuja força e beleza, reconhecidamente, constituem o tecido social e cultural afro-brasileiro, ostentando-se fundamentais características da nossa identidade. A nossa cultura, tipicamente brasileira, veio de séculos de formação, fundindo etnias, e sobretudo numa revigorante e fecunda comunhão de valores, legítimos e imprescindíveis, dos povos africanos, que se aclimataram, por aqui, apesar dos lamentáveis maus tratos iniciais, pelo mercado de produção; ajudaram-se a si próprios, graças às vivências dos seus costumes, alimentadores dos seus corpos e das suas almas. Essa presença efetiva negra, na vida social brasileira, transmitiu, a sucessivas gerações, culinária, cânticos, danças, contos, e cerimônias religiosas, mescladas ecumenicamente com elementos da fé católica, fossem santos, preceitos ou devoções, conquistando limites de tolerância dogmática, e educando-nos ao respeito da liberdade e igualdade religiosa. No Novo Mundo, não há tanta beleza cultural, onde não houver recebido influência e participação dos negros advindos da África, como é o caso da música, considerada pelos franceses e europeus, como o maior valor cultural brasileiro. Tais valores culturais têm-se transformado em compreensão e apreço artístico a um festivo e simpático sincretismo. É em consonância com esse temperamento brasileiro e nordestino, em que manifestações da negritude se apresentarão no II Festival de Cultura Quilombola, quando, negras e negros festejarão, numa prazerosa definição de festival, o encontro de vários quilombos paraibanos, especialmente da região sertaneja. Haverá originalidades de ordem artística, a partir do artesanato, acompanhadas por maracatus, ciranda, forró, coco de roda, e ainda mais toadas, batuques e sambas. Será um dia inteiro, até às vinte horas, quando será servido um caldo, no tempero e ao bom gosto da cozinha afro-nordestina. Os quilombos retratam o Brasil nas suas históricas conjecturas, como também, trazem, desde as origens, uma evolução africana, fora da África, entre nossa mélange étnica, qualificando-se pela reciprocidade que tal Festival proporciona, seja por causa das perspectivas, seja pelas expectativas que a cultura é capaz de criar. Ora, reside, nos quilombos, uma realidade que exprime hábitos e costumes da África ao Brasil, acontecendo numa história quadrissecular. Enfim, haverá poesia, como essa do chileno Pablo Neruda, mirando-nos dos Andes: ”Negros del Continente, al Nuevo Mundo habeis dado la sal que le faltaba. Sin negros no respiram los tambores; y sin negros, no menan las guitarras. Inmóvil era nuestra verde América, hasta que se movió como una palma, cuando nació, de una pareja negra, el baile de la sangre y de la gracia”.
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