Em 1848, a população de Paris se levantou e, em pouco tempo, toda a Europa passava por transformações políticas e econômicas decorrentes do ativismo popular. A isso deu-se o nome de Primavera dos Povos. Na virada de 2010 para 2011, eclodiu a Primavera Árabe, que levou a protestos, conflitos, fim de ditaduras e outras mudanças no Oriente Médio e norte da África. Nunca antes, na história do Brasil, tivemos um 15 de novembro com tanta gente seguidamente na rua, especialmente na porta dos quartéis, onde se protesta contra o resultado da eleição presidencial e clama pela apuração de possíveis irregularidades. Apesar do povo comemorar a data, não havia tanta movimentação, nem quando os governos militares priorizaram os atos cívicos pela República (e realizavam eleições no feriado de 15 de novembro) e na própria proclamação, em 1889, quando a população era infinitamente menor e as comunicações precárias. Estaríamos vivendo uma possível Primavera Brasileira? Enquanto a Justiça Eleitoral procura demonstrar a regularidade do sistema e cala, abre inquérito e ameaça quem o coloca em dúvida, ocorrem os protestos e o pedido de socorro aos militares. O documento dos comandantes das três armas - Exército, Marinha e Aeronáutica - adverte para a constitucionalidade das manifestações pacíficas e do direito de ir e vir do povo, aconselhando a apuração de problemas que tornam o voto inauditável e sujeito a fraudes. Há, ainda, o questionamento quanto à forma com que Lula foi liberto, feito candidato e venceu a eleição. O partido do presidente Jair Bolsonaro, derrotado no pleito, anuncia que vai recorrer contra o resultado, valendo-se de relatórios e análises técnicas. O momento é delicado e exigirá muito equilíbrio de todos os atores, especialmente do Poder Judiciário, tido hoje como parte da contenda, mas, de acordo com a lei, a instância encarregada de apurar a questão e dirimir dúvidas. É preciso que, mais do que defender as urnas eletrônicas e a lisura do processo, os juízes devem julgar à sombra das provas dos autos e sua comparação com as leis. É por isso que defendemos o fatiamento da Justiça Eleitoral, ficando uma parte com a tarefa de operar o sistema e apurar os votos e os magistrados só com a missão de julgar os questionamentos e, imparcialmente, determinar a solução. A Nação precisa ter as certezas de que o resultado apurado é a rigorosa soma dos votos depositados nas urnas. Se isso não restar provado de forma inconteste, mesmo que assuma, o governante eleito não terá a necessária representatividade e respaldo para governar e a sociedade seguirá obrigada a conviver com a nefasta polarização que só tem aumentado nos últimos anos e já impôs dificuldades aos governos tanto de Michel Temer quanto de Jair Bolsonaro, transcorridos sob forte ativismo dos adversários. Se não restar definitivamente provado que Lula venceu de fato a eleição, será a vez de ele beber do mesmo cálice amargo que nos últimos seis anos foi servido aos dois antecessores. E o País continuará vivendo em sobressalto e sem a necessária paz para se desenvolver e promover o bem-estar da população. Espera-se que cada integrante dos poderes da República tenha o cuidado de cumprir rigorosamente e de forma republicana as suas obrigações. Atue institucional e nunca pessoalmente e jamais ouse invadir seara alheia. Que se adote essas providências com toda rapidez e, com isso, se pacifique o país antes do novo governo assumir; depois, a dificuldade será maior... Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).
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