Ao invés do realismo fantástico, o mundo onde vivo é de realismo mais que trágico. Eu não moro em Macondo. Ao invés de Cem Anos de Solidão, o mundo em que vivo é de constante desilusão, de infinita tristeza, de eterno sofrimento e permanente tristeza. Aqui as coisas não se transfiguram nem se transformam como num passe de mágica. Aqui tudo já é anteriormente conhecido e esperado em suas consequências, basta exemplificar nos políticos, nas roubalheiras, nas corrupções. Aqui não há borboletas entrando pela janela para acalantar moça bela, mas ladrões pulando muros, meliantes forçando as portas, marginais entrando pelas janelas. Aqui o sol não fala nem a lua canta, a noite não chora sua dor nem o dia sorri sua alegria. Aqui tudo é normal demais, é tudo feio, tedioso, aterrorizante. Aqui os Buendía teriam dias tristes, pesarosos, calamitosos. Suas raízes familiares se perderiam nos labirintos apavorantes das indiferenças. Aqui as flores não possuem favo de mel nem os colibris beijam estrelas de chocolate. Aqui não há lua que desça para acalantar sonhos bons. Na normalidade daqui, o anormal é o instante que não traga uma notícia que o remédio aumentou, que a gasolina aumentou, que o grão de arroz aumentou. Mas tenho que me acostumar, pois eu não vivo em Macondo. E nem sei se os Buendía conseguiriam aqui viver. Desde muito já teriam alçado os céus em cavalos e seguido para Pasárgada. E lá seriam amigos do rei. Nota do Editor: Rangel Alves da Costa é poeta e cronista. Mantém o blog Ser tão / Sertão (blograngel-sertao.blogspot.com.br).
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